Os braços de Kai sustêm grande parte do meu peso enquanto nos leva de volta ao carro. O resto do grupo eventualmente junta-se a nós. Embora me sinta atordoada e quase grogue com o cansaço, consigo reconhecer a voz de Annaleah sem qualquer problema. O seu tom eleva-se quando dá pela minha presença e se apercebe do estado em que me encontro, porém Kai deve-lhe indicar-lhe algo que eu não sou capaz de ouvir pois ela não insiste mais.
A viagem de volta à base é como um concurso de silêncio. Rick toma o lugar do condutor e acelera por entre as ruas abandonadas o máximo que consegue. Acredito que ninguém quer chegar mais rápido do que eu. Sonho de forma tola pela cama, onde poderei deitar a minha cabeça e descansar até realmente me sentir eu própria. A Imogen deste momento só se quer enrolar nela mesma e chorar. Sem parar. Não sei se se deve ao meu encontro com Amriel, se pela morte da mãe daquela menina, ou até pela realização mais uma vez do que o Estado é capaz de fazer para que o povo continue a ter medo deles. Não consigo encaixar ao certo o que estou a sentir com tudo o que aconteceu. Fico-me somente pela ideia que se deve a uma mistura de tudo.
Dentro do veículo, vou eu, Kai, Annaleah, Rick e Theo. Não questiono alto onde estão os restantes. É-me fácil perceber que ficaram para trás para ajudar aqueles que conseguimos ajudar. Momentaneamente, sinto-me pior pela minha incapacidade estar a negar-me a fazer tal coisa.
Quando, por fim, chegamos, obrigo-me a sair do carro. Só mais um esforço e poderei descansar. No entanto, Rick não partilha da mesma ideia que eu, e ao chegarmos ao interior da base chama-nos a todos para que nos reunamos no seu escritório. Quase me deixo ir abaixo ao perceber que não poderei ficar sozinha de imediato.
Kai avança comigo pelo corredor, o seu braço ainda em redor da minha cintura sustendo maioritariamente o meu peso. Num silêncio soturno, entramos todos no gabinete. Annaleah ajuda-me a sentar numa das cadeiras mesmo em frente à imponente secretária de mogno. Rick ocupa o devido lugar à minha frente, do outro lado da superfície. Os restantes permanecem de pé.
– Necessitamos fazer um apanhado sobre o que aconteceu no decorrer desta noite – o presidente dos Filhos começa.
O meu coração palpita. De momento, não quero que eles saibam que Amriel esteve no local, tal como o que me disse. Perguntas para as quais não tenho resposta iriam começar e continuar até algo fosse arrancado de mim. Não me sinto preparada ainda para confiar a pleno nas pessoas em quem Kai e Annaleah parecem confiar quase cegamente.
– Antes de mais, Imogen, sentes-te bem? Há algo que possamos fazer para te ajudar neste momento?
Tento focar-me nas palavras de Rick. Preciso de responder concisamente ou irão acreditar que aconteceu algo mais.
– Não. Eu necessito somente de descansar.
Rick não parece convencido, mas não insiste. – Apesar de as vidas salvas hoje não terem sido o número pelo qual esperávamos, eu gostaria de vos agradecer por aquelas que efectivamente conseguimos salvar. Sei que é um choque para alguns, aqueles que nunca foram neste tipo de missões, mas é também algo que nos ajuda a compreender como o Estado é o ser mais infeccioso na nossa sociedade. Acho que concordamos todos nisso. Resta-nos então delinear o nosso próximo passo, é esse é o motivo pelo qual vos quis aos quatro aqui comigo. Não há tempo a perder.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Filhos das Ruínas
Science Fiction• Vencedor do Wattys na Categoria de FICÇÃO CIENTÍFICA 2019 • "Após a Grande Guerra, não ficou nada mais do que restos do que outrora formou as nações. Sobraram apenas pessoas quebradas, outras doentes, outras loucas; lugares sujos e sem vida; u...