Dois Mundos

151 53 120
                                    

O que realmente somos? De onde vem essa fúria? Nós amamos e ao mesmo tempo odiamos. Temos a imensa capacidade de destruir o nosso lugar, a nossa única maneira de vida.

Depois de muitos anos de guerras e destruição, tudo o que restou da terra foi um imenso fale. Nele, a humanidade se restringiu a dois povos: Reino da Terra e Reino da Água.

Esses dois povos lutaram entre si pelo domínio durante décadas, até perceberem que poderiam destruir a única forma de vida restante, o "Vale dos 2 mundos". Foi aí que fizeram um acordo de pacificação. O Reino da água ficaria com o grande rio, onde os da terra não poderiam submergir, enquanto que o povo da água não poderia ir para a terra. Foram instituídas penalidades severas para quem ultrapassasse essas fronteiras.

Eram povos completamente distintos, o Reino da água dominava a tecnologia, viviam em uma cidade imersa, construída no fundo do rio dentro de uma gigantesca cúpula de vidro. Apenas os nobres eram guerreiros de verdade, e lutavam entre si para assumir o trono. Já o reino da terra dominava a agricultura e trabalhos braçais, seus jovens eram guerreiros, treinavam desde pequenos.

Mas havia uma diferença genética que os diferenciavam ainda mais, os seus olhos. Todos do reino da água possuíam os olhos completamente azuis, enquanto que os da terra eram castanho escuro. Dessa forma era fácil descobrir um intruso, bastava olhar em seus olhos.

Ambos os povos tinham regras, todos os habitantes tinham obrigações a serem cumpridas. O povo da água, precisava preservar o ambiente aquático, cada habitat era sagrado. E tinham que mantém a cúpula em excelente funcionamento, para que todos os habitantes pudessem respirar e a cidade permanecesse funcionando. Por isso dominavam bem a ciência e tecnologia, sua educação era bem rígida. Faziam também grandes hortas com frutos geneticamente modificados para o ambiente aquático. Toda a cidade era dominada pela ciência, tinham bons laboratórios, e estavam sempre pesquisando e buscando inventar algo.

O povo da terra era contra isso, acreditavam que a tecnologia era destrutiva. Dominavam mais as ciências naturais, cultivavam plantas medicinais, produziam coisas sempre de origem da terra, sem mutações, ou alterações em laboratórios. Construíam poços e utilizavam a água de leitos subterrâneos, faziam projetos de irrigação e tinham a tarefa de manter saudável o ambiente terrestre.

A lei para ambos era dura, qualquer atitude que pudesse interferir negativamente no local, seria seriamente punido. As punições envolviam prisão, tortura ou morte, tudo era julgado e dependia de quão séria tenha sido a infração, sendo a invasão de território uma das piores. E de forma alguma esses povos poderiam se misturar.

E assim o equilíbrio estava mantido, tudo estava em paz. Até agora!

Vocês devem estar se perguntando, quem está contando essa história...

Meu nome é Clara, pertenço ao reino da água, eu ouço sobre isso desde que nasci. Acredito que ninguém da minha idade nunca conheceu um terrestre, apenas pelos fatos históricos contados pelo meu povo, que fomenta a proibição de ir lá em cima. E todos aqui sempre estão muito preocupados para pensar sobre isso, todos temos tarefas para serem cumpridas. Meu trabalho é catalogar todas as espécies e explorar o ambiente aquático. E modestamente falando, a melhor mergulhadora que possa existir. Todos os outros habitantes estão sempre tão focados em atingir suas metas, que perdem o que há de mais bonito a sua volta. Mas eu não sou assim, vou muito além disso. Exploro tudo desde pequena, e sim! Sempre espiono o ambiente terrestre, apesar de nunca ter visto nada relevante. Nunca tive medo do perigo, e de me atrever, posso dizer que sou diferente do que esperam de mim.

O povo da água parece ser muito mais sério do que os da terra. E a vida para as mulheres é ainda mais difícil. Aqui não existem sentimentos, eles tornam as pessoas irracionais e impulsivas. Todos são movidos pela razão, essa é a doutrina. As famílias realizam casamentos como acordos de negócio, principalmente quando se é de uma família nobre.
Fui prometida para Bryan, um jovem também de família nobre. O acordo é, que o casamento aconteça logo após ele vencer o torneio e assumir o trono. Até lá, ainda sou livre.

O Bryan é ambicioso, seu maior foco é vencer os outros nobres e tomar o poder. Ele foi treinado desde pequeno, eu diria que é o mais violento e impetuoso de todos. O que o torna um dos mais fortes guerreiros do reino da água e com grandes chances de ascensão.

Na verdade eu não ligo para isso, nem me vejo ao lado dele. Até lá, acredito que muita coisa ainda pode acontecer.

Agora que já sabem... está na hora de fugir do curso normal das coisas...

O dia parece perfeito para mergulhar. Começo minha jornada explorando os pontos mais inalcançados do rio. Utilizamos as pílulas de imersão, cada uma consumida permite a pessoa passar até 2 horas debaixo d'água.
Para expedições mais longas de mergulho, normalmente eram utilizados dois tipos de equipamentos. Um era um traje pressurizado, com um cilindro de oxigênio, era largo e mantinha o corpo todo seco, geralmente utilizado por mergulhadores mais inexperientes. O outro era somente a máscara que cobria todo o rosto, também ligada ao cilindro de oxigênio, esse era o mais utilizado, pois era mais versátil, e possibilitava o diálogo entre os mergulhadores.
A maioria das pessoas sempre levavam equipamentos de suporte de ar, eu quando não estava trabalhando, levava apenas meu kit reserva de pílulas e isso já me bastava.

Ao final do dia, resolvi espiar o que acontecia lá fora. Geralmente coloco apenas os olhos para fora da água, nunca passei disso. Até que vi algo que me chamou atenção. Era como uma bola que brilhava no chão, nunca havia visto aquilo.

Precisava chegar mais perto, fui para as pedras. Eu nunca havia tocado os pés nas terras do Reino da Terra, eu via gramas e texturas que eram completamente diferente do fundo do rio. Foi então que alguém se aproximou daquele objeto no chão. Era um jovem alto e forte, parecia estar trabalhando naquilo.

De Repente ele virou-se, e eu sai correndo disparada e retornei para o rio.

Eu estava trêmula, e se ele me viu? Se percebeu que sou da água? Se me descobrirem? Eu posso ser morta... Mas não tinha como saber quem eu era. Preciso checar se está mesmo tudo bem. Amanhã verei o que estão fazendo.

Então retornei lá e tudo parecia calmo como antes. Vi o objeto estranho no chão, me aproximei para olhar, foi quando...

– Então era você que me espionava ontem?!

Me virei, e lá estava ele. Tentei correr mas ele era mais rápido e mais forte, me segurou pelo braço. Então eu implorei:

– Por favor! Por favor me deixe ir... eu juro que nunca mais venho aqui, não me leve para as autoridades, eles vão me matar!

E ele só me olhou nos olhos e disse:

– Calma!... se continuar a gritar, será você mesma quem irá se entregar...

Eu nunca tinha visto alguém do reino da terra de tão perto, e nunca tinha olhado em seus olhos, assim como ele também olhou nos meus.

Quando terra e água se encontram Onde histórias criam vida. Descubra agora