Às vezes tudo o que queremos é fechar os olhos e nos sentir seguros, sem medos, receios… Somente escutar o silêncio, saber que ele nos conforta. Pior que temer o futuro, é temer o futuro de outro alguém, alguém que amamos e que sentimos que faz parte de nós mesmos.
Clara e Thomas sabiam o que precisavam fazer, eles tinham a resposta bem diante de seus olhos, mas como expor o seu bem mais precioso à dureza do mundo?
Apesar de tentar ser forte e esperta, Stella era uma menina ingênua, não conhecia a maldade. Ela viveu a vida inteira na floresta. Apesar de seu instinto instigante e curioso, que buscava compreender as mais complexas situações, todo o seu excesso de sinceridade só demonstrava a sua inocência. Ela dizia exatamente tudo o que sentia, embora o mundo não parecesse preparado para ela e nem ela para o mundo.
Os dias passavam corridos, a bela família fazia do palácio o seu refúgio, seu esconderijo. Mas não podiam se esconder para sempre, o povo aguardava o seu pronunciamento. Quais seriam os próximos passos? Como viveriam a partir de agora?
O rei Patrick também já cobrava a sua reunião, precisavam estabelecer um novo tratado.
Até então Thomas só dava desculpas, ele tinha todos os planos bem arquitetados, mas o que lhe faltava era a coragem para pô-los em prática.
– Mãe, pai, o que mais estamos esperando? Eu sei que posso fazer isso!... Vocês estão comigo, não estão? Podem me ensinar! – Stella repetia isso todas as vezes que encontrava a oportunidade. Era uma sonhadora, isso parecia já estar no sangue!
Thomas e Clara enrolavam, e quando estavam sozinhos ainda olhavam um para o outro como se discutissem mentalmente, ou apenas esperassem por um caminho mais fácil.
À todo o momento se perguntavam se talvez ter insistido em estar ali fosse um erro. E se o melhor fosse trilhar o caminho de volta?
Por longos anos se mantiveram isolados da sociedade, mas apesar de tudo, estar na floresta não era tão ruim, eles tinham uns aos outros. Lá sentiam-se livres e em paz. Voltar para a floresta seria o caminho mais fácil, mais cômodo e mais seguro, mas não o caminho correto a ser trilhado.
Na floresta Stella estaria segura, livre do mal dos corações ambiciosos e destrutivos. Mas privá-la do mundo era penoso demais. Seria como manter um passarinho engaiolado, você poderia até cuidar para manter o seu canto, mas este sempre seria ofuscado pelas grades que o prendem.
– Stella está certa! – Clara afirma com os olhos marejados fitando a paisagem da cidade em frente à uma enorme vidraça – É o destino dela e não podemos privá-la disso. É o que o povo precisa e o que nossa filha deseja, Thomas! – Ela vira-se para ele com os olhos espremidos em resposta ao que sentia em seu coração.
Thomas apenas a abraça, mantendo-se em silêncio por mais alguns minutos.
– Nós já encaramos muita coisa juntos – Com a ponta dos dedos, ele eleva o queixo dela para olhar em seus olhos – Encararemos mais essa!... Eu prometo, Clara!... Prometo que a protegerei com a minha vida, não deixarei que nada aconteça com ela!
Assim, eles tomaram a tão difícil decisão. Sérios e cautelosos, sentaram e conversaram com Stella. Explicaram-lhe os seus planos, como se a menina não já os tivesse escutado atentamente atrás da porta.
Os olhos de Stella brilhavam enquanto escutava a decisão dos pais. Sentia como se encontrasse um propósito, como se acreditasse que pudesse mudar o mundo. Finalmente não precisaria mais se esconder e poderia sentir que pertenceria à algum lugar, não só a um, mas aos dois mundos!
Com muito receio, Thomas confirma a reunião com o rei Patrick. Por repetidas vezes ele se reúne com Marcel, preparando o seu discurso. Precisava convencer o Reino da Terra de que um tratado de União seria muito mais benéfico para os dois reinos. Ambos poderiam lucrar com trocas de serviços e mercadorias, a trânsitação que durante séculos manteve-se proibida, agora estaria aberta.
Os dois reis finalmente se reúnem, em um clima tenso, demonstrando o quão importante aquele momento seria para os dois reinos.
– Você está louco! É um insano por propor algo do tipo! – O rei Patrick esbravejava sem acreditar no que Thomas dizia – Eu sabia que não teria a mínima noção de nada! Você nem sabe o que está fazendo!
– Eu sei bem o que estou fazendo! Quero seguir o propósito do meu pai. Essa é a melhor opção para todos nós! Insistir em um novo Tratado de Pacificação será o mesmo que manter uma guerra fria. Por quanto tempo acha que conseguiria mantê-lo? Ninguém vive para sempre e nem podemos prever o que está por vir. Se podemos fazer algo para mudar isso, que seja enquanto ainda à tempo! – Thomas insistia depositando toda a sua confiança no que acreditava.
O rei Patrick ainda achava ser algo estúpido, mas sabia que ao mesmo tempo, tomando essa decisão, o seu legado entraria para a história. Ele temia a resposta do povo, ninguém sabia como reagiriam frente a sua decisão. Não queria carregar a responsabilidade nos ombros, embora quisesse usufruir dos supostos benefícios que isso lhe traria.
– E você acha prudente colocar aquela menina a frente de tudo? – ele questiona em um tom um pouco mais ameno.
Thomas hesita em dar-lhe uma resposta, pensando na possibilidade de recuar. Então fixa o olhar nele e questiona:
– Se não pode ser um dos reis, que outra pessoa poderia ser mais isenta?
– Está bem! Façamos um teste, se em algum momento percebermos qualquer mínima falha, acabaremos com isso sem hesitar – o rei Patrick fecha o acordo, dando-lhe carta branca.
Eles ainda repassaram os termos. A troca de serviços era bem útil para o crescimento dos reinos. O rei Patrick pensava nisso e em como seria visto diante do povo.
Estando tudo bem definido, Thomas segue para o próximo passo. Anunciar ao povo!
No Reino da Água, ele reúne todo o povo à frente da sacada do palácio. Todos já estavam mais do que curiosos em saber como seria o seu reinado.
“Eu sei que por muito tempo demorei para mostrar a minha finalidade. Precisava pensar, amadurecer para isso, mas ainda há muito para crescermos juntos. Já se perguntaram à quanto tempo vivem presos a essa redoma? A maioria de vocês nem imaginam o que tem lá fora. Nós mesmos nos prendemos a isso! Olhem uns para os outros, podem ter características que se assemelham, mas vocês são muito mais do que olhos azuis. Ninguém aqui é igual a ninguém, são suas particularidades que mantém o funcionamento da cúpula. Aqui temos engenheiros, pesquisadores, nadadores, cientistas de várias naturezas. Cada um tem algo a oferecer, e vivi para dizer que o Reino da Terra também tem. Então por que nos privar disso?
Acredito que todos já sabem, eu sou filho de um rei que nem ao menos pude conhecer. Mas com pouco que pude saber sobre ele, esse era o seu grande sonho. Acabar de vez com o ódio entre os reinos!
Infelizmente, ele não viveu para isso, teve sua vida interrompida. Mas me deixou para que seguisse os seus passos. Eu acredito que essa é a sua vontade, e eu vou honra-lo!”Todos escutavam atentamente o discurso de Thomas sem nem piscar. Mas quando ele começa a explicar os seus planos, os murmúrios se iniciam.
“Em breve as fronteiras serão abertas. Não haverá mais proibição de deslocamento entre os reinos. Haverá trocas de serviços e mercadorias, intercâmbios de toda a natureza. Os reinos serão unificados em um Tratado de União, a frente disso estará exatamente a pessoa que vocês intitularam, Imperatriz dos Dois Mundos!”
– O que? Isto é um absurdo! – Uma voz é ouvida no meio da multidão.
Todos param, Stella se estica ao lado de Thomas procurando o dono daquelas palavras.
Se aproximando a frente de todos, um rapaz é avistado. Um jovem alto, com os seus belos olhos azuis encarando-os sem nenhum receio.
Stella o fitava calada, não o encarava apenas irritada com a sua audácia, mas também com curiosidade. Apesar de ser um pouco mais velho, era o mais próximo de sua idade que já pôde ver. Afinal, Stella nunca teve amigos, não cresceu com outras crianças, nem tão pouco conviveu com outros jovens.
O clima se intensificava a cada palavra do rapaz, ele acreditava que estavam querendo derrubar os seus preceitos, acabar com os costumes e tradições do seu reino. Thomas ainda se mantinha calmo, de forma amena ele rebatia as suas falas. Apesar de não se dar por vencido, o jovem recua e deixa o local, assim como o resto da multidão.
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Quando terra e água se encontram
Historical FictionEm um futuro alternativo, após longos anos de guerras e destruição, surgiram dois grandes reinos. O Reino da Água e o Reino da Terra, era tudo o que restou da humanidade. Reinos completamente rivais, com ideologias opostas e ao mesmo tempo com sede...