Capítulo 19- Me reconstruindo

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Narrado por Gustavo

Alguém já se perguntou quem monta os horários escolares? Duas aulas de geografia nos últimos horários de uma sexta feira, de duas é uma. Ou eles querem matar os alunos de tédio, ou eles querem matar os alunos de tédio. 

 Enquanto a professora fala alguma coisa sobre as características do cerrado eu fico pensando em como seria a festa do dia seguinte. Pensei muito e não ir, mas acabei confirmando de última hora, não tinha nenhum plano para o sábado mesmo e ficar em casa não é uma opção.

Finalmente a aula acaba, pego minhas coisas e sigo meus amigos rumo a saída, antes de ir para casa aproveito para passar no centro e comprar alguma coisa para Diego. Sempre gostei de dar presentes, nesse caso seria difícil já que pouco conheço o garoto. O lado bom que homem é mais tranquilo para se presentear.

Durante todo o tempo fico pensando no como fui idiota com Matheus, também não posso dizer que aquilo não tenha me incomodado, claro que tinha. Meu amigo beijando um cara na minha frente, não vou dizer que foi nojento, só não estava preparado para isso. 

Me pego sorrindo com esse comentário, realmente sou idiota, se foi ele que beijou qual a necessidade de eu ter que estar preparado. As vezes somos muito idiotas mesmo. Compro o presente e pego um ônibus até a a minha casa que não é necessariamente muito longe do centro, mas o calo está forte e eu com fome.

Ao chegar em casa esquento a comida que a minha mãe tinha separado, não sou muito de agradecer, mas em meus pensamentos agradeço por ter minha mãe e por ela cozinhar tão bem. Até mesmo quando a comida é simples seu tempero o torna especial.

Subo para meu quarto, acho que ele está precisando de uma organização e uma selecionada também, muitas coisas que ali estão eu nem uso mais. Quem sabe aproveitando a reforma que meus pais iram fazer,eu me livro de algumas coisas para ter espaço para novas.

Tomo meu banho e procuro alguma coisa para assistir na Netflix, mas nada parece me chamar a atenção, então pego o meu notebook e começo a acessar alguns sites de compra de livros, só que também nada me interessa.

 Então eu tenho a ideia de pesquisar sobre a descoberta da sexualidade. A maioria dos sites tem conteúdos idiotas e até grosseiros para ser verdade, eu não estava preocupado em saber sobre sexo. Algum tempo depois encontro um site com dicas de filmes com a temática LGBTQ+ caramba por que eles não usam o alfabeto todo pensei comigo. 

Olho diversos títulos até que encontro o filme " Com amor, Simon" olho a sinopse e acho interessante resolvo assistir. Claro que vou assistir com meus fones de ouvido, vai que tenha alguma sena indesejada e minha mãe me pega vendo um filme gay.

Confesso que gostei muito do filme, ao contrário do que eu pensei quando olhei o site com as indicações, aquele não era um filme com apelação sexual, e sim a história de um adolescente gay e seu caminho até se assumir, claro que durante a história muita coisa acontece, só não vou falar aqui. Fico pensando que como os amigos de Simon eu também deveria apoiar e estar do lado do Matheus, gosto daquele rapaz, ele me faz me sentir bem e me ajudou muito

Copio o link do filme e envio para Matheus, sei que ele vai ficar puto comigo, mas não custa tentar. Além do link do filme escrevo. " Sei que está bravo comigo, mas assista esse filme. Pode contar comigo sempre que precisar, comecei errado com você mas irei me redimir". Noto que faz tempo que ele não visualiza o aplicativo, deve estar ocupado.

Começo a pensar nessas coisas todas, nunca falamos de gays nessa casa, é como se eles não existissem, ou se não nos importássemos com sua existência. Me lembro de rumores que nosso tio Bernardo pode ser gay, lembro de meu pai falando sobre isso com a minha mãe a anos atrás e provavelmente aquilo seja verdade, já que nunca fomos próximos a ele, e que apesar dele morar na mesma cidade que a gente em um bairro ao lado passamos anos sem nos ver e que até mesmo no velório de Felipe meu tio não estava presente. Todas essas informações começam a me incomodar e não estou disposto a ignora-las, não dessa vez.

Desço até a sala onde minha mãe está sentada lendo um livro de autoajuda sobre mães que perdem os filhos. Sento ao seu lado no sofá ela para sua leitura e me olha como se esperasse que eu falasse alguma coisa e seria justamente isso que eu iria fazer. Só não sabia eu que iria provocar tanta confusão com uma conversa.

Gustavo- Mãe estava pensando, nunca mais visitamos o tio Bernardo, e olha que ele mora aqui do lado. Às vezes acho que o excluímos da nossa família, pode me explicar o motivo.

Lúcia- Olha filho, isso é um assunto delicado. Seu tio é uma pessoa diferente sabe? Ele não é assim como a gente, por isso não somos muito próximos, seu tio é um pouco mais novo que eu, de fato 12 anos, por isso ele ainda é tão jovem. Só que desde criança ele foi uma pessoa diferente, e quando chegou a adolescência começou a fazer coisas erradas que decepcionou muito a seus avós e a mim mesma. E é por isso que não somos próximos.

Gustavo- Você está tentando me dizer que o tio é uma má influência? Nunca ouvi nada de ruim sobre ele mãe. E olha que a nossa cidade é pequena e como moramos próximos acabamos sabendo da vida alheia. A única coisa que eu sei a respeito do Tio Bernardo é que ele pode ser gay. Será que isso é tão ruim?

Lúcia- Quem te falou isso Gustavo? Bom nem adianta saber quem foi realmente né? Sim filho, seu tio é gay. E ele é a vergonha dessa família, por isso evitamos que você e seus irmão tivessem qualquer aproximação daquele depravado. Que Deus tenha piedade daquela alma!

Nesse momento meu pai entra na sala vindo do trabalho e ao perceber aquela conversa acalorada quis saber o motivo, minha mãe contou e a expressão no rosto do meu pai mudou de um segundo para o outro.

António- Não quero saber de conversa sobre gays nessa casa, nossa família é decente. Agora quero saber o porquê está levantando esse assunto ?

Gustavo- Olha pai, não estou dizendo que a nossa família não seja descente, tenho muito orgulho dos pais que eu tive e do meu irmão Felipe. Agora não entendo o porquê afastar meu tio Bernardo. Ele é gay, não é um assaltante ou assassino!

António- Prefiro um filho assassino ou morto, que filho viado.

Gustavo- Parabéns, pai! Parece que você está atingindo seus objetivos, o filho morto você já tem e Tomás do jeito que está, do jeito que me bateu sem motivo algum. Logo vira assassino.

Nesse momento sinto um tapa em meu rosto, era meu pai. Sinto  toda sua raiva seus olhos estão vermelhos e me fitam com ódio. Até que ouço as seguintes palavras.

António- Suba para o seu quarto agora e não saia de lá até eu conseguir perdoar suas palavras, vou logo avisando que vai demorar. Nunca senti tanto nojo de um filho, você que deveria ter morrido no lugar do seu irmão.

Sinto lagrimas escorrendo em meus olhos, sei que trocamos palavras duras e que também estou errado só que não vou me calar.

Gustavo- Não é que tenho que concordar com você pai, em uma coisa você tem razão, eu realmente deveria ter morrido no lugar do Felipe. Ele pelo menos está livre de viver em uma casa sem amor, uma casa que parou no tempo. Onde só a lembrança do filho morto vale a pena. Enquanto isso o filho que está em casa não recebe apoio nenhum, tive que enfrentar minha dor sozinho, já que vocês me isolaram e tem feito um bom trabalho nesse sentindo. Saiba que seu nojo é recíproco, tenho nojo dessa casa dessa família. Só sinto falta de Felipe, tenho certeza que ele não teria os mesmos pensamentos.

Sinto outro tapa no rosto, mas nesse momento não sinto mais dor. Meu coração já suporta muita dor que o meu corpo está anestesiado. Me retiro da sala e vou para o quarto chorar. 

Sempre comigoOnde histórias criam vida. Descubra agora