De fato, foi um sono rápido onde não me lembro de sonhar com nada, apenas de acordar com uma forte dor no peito, meu coração acelerado, e aquele suor frio, sintomas comuns para uma pessoa habituada as crises de ansiedade. Pego meu ansiolítico de uma cômoda ao lado de minha cama e bebo. Meu coração está afobado, como se eu precisasse saber de algo, como se os próximos minutos estivessem me reservando alguma coisa.
Procuro meu celular na cama, me recordo de ter deixado ele na cozinha, desço rápido, tinha que ligar para dona Lúcia, nesse momento já deveriam ter notícias de Felipe. Entro na cozinha e minha mãe estava sentada na cadeira da mesa com as mãos na cabeça. Olho na mesa e não vejo meu celular então pergunto por ele.
Minha mãe demora a levantar o rosto para mim, e quando levanta seus olhos estão vermelhos. Nesse momento meio que grito se era algo com o Fê, se ele tinha piorado, se ela já tinha alguma novidade e por qual motivo ela não tinha ido me falar. Ela apenas aponta a cadeira para eu sentar. Me sento e olho para ela, seu rosto estava abatido, seus olhos tristes, mas ela fazia um esforço para se demonstrar calma. Mesmo que não funcionasse, minha mãe sempre foi péssima em sua tentativa de esconder seus sentimentos, finalmente ela começa a falar.
Elizabete-Filho, Matheus! Seu amigo Felipe agora está melhor, seus ferimentos foram muito complicados, mas nesse momento ele não sofre mais, pois está em um lugar melhor".
Suas palavras não faziam o menor sentido para mim, como assim um lugar melhor? Será que ele sobreviveu a cirurgia e está no quarto, ou na UTI. Me levanto procurando meu celular, até que minha mãe estende sua mão com ele para me entregar. Pego meu aparelho e vou saindo para pedir um carro, quando ouço sua voz perguntando aonde eu vou. Digo que vou ao hospital, e antes mesmo que debloqueie meu celular ela me diz. " Filho seu amigo morreu".
Naquele momento nada fazia sentido para mim, embora eu tivesse passado horas pensando nesse momento, ouvi-lo não foi nada fácil. Começo a chorar descontroladamente e ela me abraça. Fico ali uns minutos até que consigo perguntar a minha mãe de que horas isso tinha acontecido. Ela me responde que assim que eu subi para meu quarto, meu telefone tocou e o Tomás tinha avisado da morte do seu irmão.
Meio sem querer acreditar pego meu celular, desbloqueio e olho as ligações, realmente tinha uma ligação do Tomás as seis e pouco da manhã. Olho no aplicativo de mensagens e tinham diversas mensagem não visualizadas, não acredito que aquilo realmente estava acontecendo.
Começo a ver as mensagens e todos falavam sobre o acidente e morte do Felipe. Já havia muitas fotos dele no grupo, notei que a maioria das fotos eram dele em grupo, e em muitas estávamos abraçados, nunca tinha parado para pensar no quanto eu era tão próximo do Felipe e no quanto eu o amava.
Agindo de maneira ainda sem acreditar pego meu telefone e disco o número do Felipe, na esperança de tudo ser uma pegadinha. O telefone toca algumas vezes até que alguém atende. Já começo falando. " Felipe, que pegadinha mais sem graça e essa cara, todo mundo falando que você está morto". Do outro lado da linha alguém permanece em silencio por alguns até que esse silencio é quebrado por um choro e a ligação é desligada.
Meio confuso fico olhando para a minha mãe que estava me olhando com os olhos marejados. Ligo novamente, dessa vez a ligação é atendida no primeiro toque. Do outro lado uma voz apressada diz de uma vez ,como se quisesse vomitar as seguintes palavras. ¨Matheus, sou o Gustavo irmão do Felipe, desculpa não consegui continuar sua ligação, mas a notícia que meu irmão morreu é verdade. Estamos em casa, o corpo vai ser liberado mais tarde, não sei mais o que te dizer".
Ao ouvir essas palavras fico mudo, acabo esquecendo que estava no celular como se nada mais importasse, retorno a mim com as palavras no telefone. " Matheus... Matheus.... Tem como você vir até aqui?". Retorno a realidade apenas para responder que sim.
Vou ao meu quarto, me arrumo e desço as escadas rumo a porta de saída, meu pai estava me esperando na porta. Dizendo que iria me levar e que ele e minha mãe aproveitariam para prestar seus pêsames a família de Felipe. Entrei no carro e me sentei no banco de trás, fazia uma manhã quente de céu limpo, olhando para o lado de fora da janela, pelas ruas pude observar as pessoas felizes naquela manhã, e eu só pensava que trocaria tudo para que nada tivesse acontecido, e que eu fosse uma dessas pessoas andando com meu melhor amigo pelas ruas.
Em pouco minutos chegamos em frente a casa de Felipe, que ficava no bairro Eucalipto, que era uma região bem próxima a minha casa, era um bairro muito bonito, as ruas com muitas arvores, parecia ser um lugar bem calmo e de fato era, me lembro das diversas vezes que estive ali. Gostava muito daquele lugar. Hoje a rua estava quieta, tudo parecia triste, a única coisa que parecia diferente era a quantidade de carros em frente a casa de Felipe. Descemos do carro e fomos até o interfone, pouco tempo depois já estávamos na sala de Felipe.
Como imaginado, havia muitas pessoas na casa, mas estava um silencio ensurdecedor, que hora ou outra era abafado por som de choro, dona Lúcia me abraça ao me ver, acho que nunca ela me deu um abraço tão forte, choramos juntos por alguns segundos. Depois ela põe suas mãos em meu rosto e fala. " Meu querido, você estava certo, ele não resistiu, nosso Felipe nos deixou, agora ele é um anjinho".
Aquelas palavras me deixaram pior ainda, ver a mãe de Felipe daquele jeito era horrível, mas a ideia de anjo me irritava, como alguém ainda podia acreditar nessas besteiras depois de tudo aquilo. Só que no momento não podia falar que achava aquilo tudo idiotice, apenas a abracei e beijei seu rosto.
Depois de soltar do abraço em dona Lúcia perguntei por Tomás e Gustavo, segundo a dona Lúcia, Tomás e o pai estavam cuidando de toda a burocracia para velório e enterro e Gustavo estava em seu quarto e não falava com ninguém, só olhava para o celular do irmão.
Pergunto se posso ir até ele ver se consigo conversar, ela confirma que sim e me encaminho para o quarto do Gustavo. Como já estive diversas vezes naquela casa, sabia exatamente onde ir. Bato na porta e espero uma resposta que não acontece, bato de novo, mas desta vez tento abri-la. Só ouço uma voz dizendo vá embora quero ficar sozinho. Apenas respondo dizendo que era eu, Matheus.
Poucos segundos se passam e ouço a porta sendo destrançada e aberta, lá estava um garoto de 16 anos, branco de olhos castanhos (que no momento estava bem vermelhos), aproximadamente 1.77 de altura. Mas apesar de toda aquela altura nesse momento era uma criança que precisava de um abraço, pois tinha acabado de perder seu irmão.
Pensando nisso nunca fui próximo a Gustavo, apesar da diferença de apenas um ano para o irmão Felipe, eles sempre tiveram amizades distintas, claro que quando mais novos já tinha brincado muito com ele naquela vizinhança, mas nos últimos anos só nos cumprimentávamos basicamente. Entrei no quarto e dei um abraço naquele rapaz, ficamos calados, apenas chorando. Até que finalmente ele me diz " Matheus, quer ir no quarto dele? Não tive coragem até agora, mas podemos ir juntos. Consenti com a cabeça e entramos no quarto ao lado.
Já estive naquele quarto milhares de vezes, de fato acho que meio que cresci ali. Olhei para a mesa de computados lá tinha alguns porta-retratos, em um deles estava uma foto minha e de Felipe, abraçados com uma medalha no peito, que havíamos ganhado na final do campeonato amador sub 17 realizado no ano anterior, que lembrança boa penso comigo. Quem diria que pouco mais de um ano depois só existiriam lembranças.
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Sempre comigo
RomanceEsse livro traz a historia de um menino de 17 anos, chamado Matheus. E tudo o que acontece depois da morte de seu amigo Felipe. A historia relata o sofrimento e o aprendizado de que a vida é só uma etapa de algo muito maior, mas aqueles que ainda e...