Capítulo 28-Sítio Bom Pasto

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Narrado por Gustavo

Dias depois da minha visita a Bernardo, ele me chamou para ir visitar o sítio dos meus avôs, disse que tinha falado com minha avó Thereza e contado que tínhamos nos reaproximado, mesmo que meus pais ainda não soubessem que isso tinha acontecido, fiquei feliz pela proposta de visita a meus vós já que não tinha muito o hábito de ir até lá com os meus pais, só que também fiquei preocupado deles descobrirem sobre minha aproximação com meu tio e atrapalharem tudo, depois de Bernardo me garanti que não teria risco decidi que aceitaria o convite.

Fomos em um sábado de manhã, sai de casa dizendo que iria sair com alguns amigos, como a casa estava em reforma e meus pais ocupados com a bagunça toda que estava ali, nem questionaram nada, só pediram para que eu tivesse juízo (coisa que eu não sei se terei algum dia), chegando na casa de Bernardo, ele e Danilo já me aguardavam, está certo que Danilo estava só de corpo presente, dava para ver que o coitado ainda não tinha dormido depois de voltar do trabalho. 

Da casa dos dois até o velho sítio dos meus avós era uns 40 minutos de carro, confesso que poderia ser mais rápido já que a distância era curta, só que a estrada não ajudava em nada. Danilo foi o caminho todo dormindo, enquanto Bernardo estava tenso, não que eu o conhecesse muito, mas ele  é uma pessoa muito comunicativa pelo que eu vi da outra vez, permaneceu o caminho todo calado, o que foi muito chato, afinal tive que passar esse tempo calado dentro do carro, pensei diversas vezes em puxar assunto, só não sabia o que falar.

Quando chegamos na entrada do sítio, senti um desconforto no estômago, um medo do que poderia acontecer naquela visita. Minha avó estava esperando na entrada da casa, estava sorridente, fazia tempo que eu não a tinha visto, desde o enterro de Felipe pelo que me recordo. Desço do carro e sou recebido por um abraço da minha avó, que fala estar com saudades e que eu não parava de crescer. Ela abraça Bernardo e Danilo, que nesse momento ainda estava pendendo de sono.

Fomos para a cozinha, onde uma mesa do café da manhã estava servida, ali também estavam meus tios, Verônica e Pablo (não sei se eu falei, Verônica era irmã da minha mãe e Pablo o marido dela. Confesso que nunca me importei muito com essas coisas, para mim os dois eram meus tios e pronto), e meus primos João Pedro e Aline. Eles eram um pouco mais velhos do que eu mais ou menos a idade de Tomás, cumprimentei a todos e me sentei a mesa, estava com saudades da comida da minha avó, tinha pão caseiro, biscoito caipira, bolo de fubá cremoso com erva doce e café com leite, tudo muito simples, mas com aquele sabor de carinho que só quem tem família no sítio ou frequenta sítio vai entender.

Logo Sr Angêlo meu avô entra na cozinha, me abraça dizendo que estava no pomar pegando mexericas que já estavam prontas para serem chupadas, uma das coisas que eu gosto dessa época do frio é mexerica e ponkan, ficamos conversando sobre a vida, meus avós perguntaram dos meus pais e meu irmão, respondi em poucas palavras não estava a fim de falar da minha família no momento.

Meus primos pareciam ser tão diferentes de mim, não pela idade, mas eles me pareciam tão conectados com tudo, falavam de tudo, riam juntos, tinha momentos que eu achava que eles se comunicavam pelo olhar de tão forte que parecia a conexão entre os dois, fiquei pensando que se Tomás não fosse um otário eu gostaria de ser assim com ele.

Depois do café fui andar pela propriedade com Danilo, Bernardo, João Pedro e Aline. Passamos pelas vacas no caminho para o riacho, fazia anos que eu não ia naquele lugar, no sítio dos meus avós até que eu tinha voltado algumas vezes nos últimos anos, mas nesse riacho já tinha uns cinco ou seis anos que eu não ia, ficava mais ali quando menor passava parte das férias na casa dos meus avós, só que e a gente vai crescendo e meio que abandonando o hábito de visitar os avós, senti um aperto no peito nesse momento, ao notar que eles estavam velhos e eu não sabia até quando teria eles ali comigo.

Ficamos um tempo na beira do riacho calados, apenas curtindo o lugar e depois voltamos para a casa, a churrasqueira estava acesa e tio Pablo estava começando a assar alguns pedaços de carne, minha tia já estava tomando uma caipirinha enquanto minha avó vez ou outra a acompanhava, meu avô tomava uma cerveja sem álcool, devido aos remédios que estava tomando para um tratamento. 

Fiquei conversando com os meus primos por um tempo, eles estavam na faculdade e falavam de muitas coisas da vida universitária, pressões, festas, amizades, trabalho e assim por diante.

Um tempo depois meu avô me chamou para mais perto dos "adultos" claro que eu, João Pedro e Aline não gostamos do termo adulto, mas nos aproximamos deles, quando minha avó começou a falar.

Vó Thereza- Gustavo, querido, estou muito feliz de você estar aqui com a gente no dia de hoje, na semana passada quando Bernardo me ligou falando que queria vir aqui com você eu estranhei, afinal ele e seus pais estão afastados a muito tempo. Quando ele me disse que você o procurou e que estavam bem eu fiquei muito feliz meu neto, sinto falta da casa cheia, sinto falta de reunir toda a minha família, não sei quanto tempo eu e Ângelo estaremos aqui, mas queria deixar esse mundo sem mágoas, sem brigas e você estar aqui é o primeiro passo para isso.

Os olhos da minha avó estavam de água, assim como os meus ficaram ouvindo tudo aquilo, e ela tinha total razão, ninguém sabe quanto tempo vai estar aqui, e perder tempo com coisas de um passado tão remoto no qual eu nem tinha noção de vida não valia a pena. Logo depois da minha avó falar, meu avô começou a dizer algumas palavras que carrego comigo até hoje.

Avô Ângelo- É garoto, se você está aqui hoje com seu tio, então você já sabe da maior idiotice que eu já fiz nessa vida, acredito que você tenha sentido raiva de mim. E pode sentir mesmo, eu também sinto raiva de mim até hoje, não que isso justifique alguma coisa, mas quando tudo isso aconteceu era início doa anos 2.000, e eu era um caipira dos anos 50, que cresceu no mundo onde homem tinha que ser macho, onde homem tinha que ter filho e ensinar ele a ser homem assim como ele. 

Quando vi seu tio no riacho junto com esse rapaz ai na mesa, que hoje em dia é meu filho Danilo, na hora eu me senti traído. Não traído pelo seu tio Bernardo, mas sim como homem, na minha tarefa de fazer seu tio um grande homem, e quando eu bati nele, tenho certeza que quem mais se machucou naquela tarde fui eu. Afinal, minha raiva estava castigando minha alma, e o que eu causei no corpo do seu tio em poucos dias estava curado, mas os danos que eu causei a sua alma, isso eu carrego até hoje.

Avô Ângelo- No dia em que Bernardo saiu daqui para ir morar na casa da Olímpia, parte de mim morreu ao ver ele sair daquela porta, por saber que eu e meu preconceito era o culpado de tudo isso. E apesar de a muitos anos seu tio ter me perdoado e voltado a frequentar essa casa, aquele pedaço de mim continua morto, me mostrando o dia em que eu fiz com que minha ideia de certo ou errado tirasse meu filho de casa. Seu tio Bernardo, pode até ter me perdoado como ele diz ter feito, mas eu nunca poderei me perdoar, e essa mágoa carregarei comigo para o túmulo.

Nesse momento Bernardo se levanta vai até meu avô e o abraça, enquanto os dois choram, de fato todos que estavam ali, estavam chorando naquele momento. Eu não falei nada, mas dentro de mim sabia que eu tinha o dever de trazer minha família de volta, de fazer com que meu pai deixasse seu preconceito de lado e fizesse parte das reuniões de família. No restante daquele dia eu passei com meus tios, primos e avós, gostaria de ficar ali por um longo tempo, mas no fim da tarde retornei para a cidade e para a minha casa, com a missão de reverter o ódio do meu pai. 

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