REVELAÇÕES

1.4K 119 37
                                    

Sua expressão torna-se indefinida. Creio que a minha, mais ainda. Nem eu sei definir muito bem o que estou sentindo no momento. A sensação é de que eu estou fora do meu próprio corpo, observando toda cena acontecendo em câmera lenta. Nós dois, estáticos no batente de nossas respectivas portas, observando um ao outro diante de uma pergunta que ecoou alto em nossos corações. Do que Hero se arrependia?

Drasticamente, seus olhos verdes evitam os meus, desviando-se para os cantos das soleiras, meus sapatos, a barra do meu vestido, qualquer mísero ponto, exceto meu rosto. Vejo seu peito subir cansado, e descer leve, numa respiração funda e pesada. Como se ele estivesse esperando por isso.

— Do que você está falando? — De forma inédita, vejo Hero fugir do assunto. Eu não esperava por isso. O cara que sempre usa cinismo e sarcasmo para se sair bem em todas as respostas, preferiu fugir dessa vez, invertendo papéis comigo.

— Todos temos algo de que nos arrependemos algum dia...você disse isso essa madrugada — Recordo. Ele assente, balançando a cabeça, bem devagar. — Você pode me responder?

Vejo seus belos lábios se franzindo, e pela primeira vez, através da análise de sua expressão corporal, sinto que Tiffin está acuado. Como se essa pergunta, deliberadamente atingisse seu ego.

Hero

— Você pode me responder? — Langford insiste.

A sensação dentro de mim, não é das melhores. Sinto-me acuado. Pela primeira vez em tempos, encontro-me sem uma resposta na ponta da língua. Eu sou uma pessoa muito eloquente e destemida, porém, sua pergunta me desconcertou. Entretanto, eu sei que é necessário assumir algumas coisas para que alguns temas se desenvolvam em nossas vidas. E eu pretendo me abrir para ela, já que está oferecendo-me oportunidade, de livre e espontânea vontade. Respiro fundo, livrando-me do fardo que carreguei nas costas por anos, escondendo essa maldita dúvida, esse terrível arrependimento dentro de mim.

— Você se lembra do dia que eu fui na sua casa de madrugada, desabafei e chorei sobre ter perdido a vaga na faculdade, falei sobre meu pai e tudo aquilo? — Indago, e vejo em seus olhos azuis, o despertar de memórias enterradas.

— Sim. — Confirma ela.

— Aquele dia eu queria ter te beijado, Josephine.

Observo cada traço de seu belo rosto enrijecendo-se aos poucos, aparentemente surpresa e nervosa. Os músculos de sua testa se franzem, bem devagar, formando uma linha fina e tensa entre suas sobrancelhas suavemente maquiadas. Obviamente, uma reação involuntária. Josephine permanece calada, dando-me espaço de fala, o que é um feito inédito também. Troco o peso da perna, encostando meu braço no batente da porta. Ela permanece imóvel, no centro da moldura de madeira, como uma estátua de cera bem moldada.

— Eu queria ter te beijado. Eu olhei pra você naquele momento, pro seu rosto, fiquei curioso, nervoso...Sua boca me chamava atenção, Jo. Seus lábios pareciam tão convidativos, tão macios. Alguma coisa lá dentro dizia pra eu tentar, mas fiquei com medo de você me xingar, ou achar que eu estava abusando da sua boa vontade de me receber. Eu sei que você é neurótica e surta fácil com as coisas. Por isso não tentei nada. Mas as vezes, eu ainda penso: e se eu tivesse te beijado? As coisas seriam diferentes hoje em dia?

É a minha vez de deixá-la sem resposta. A mulher arredia e bruta, irônica e arrogante, permanece muda diante do meu desabafo. Ela mal pisca diante da minha declaração, sem restrições. Estou aqui, aberto feito uma gaveta, deixando escapar meus segredos, guardados a sete chaves. E eu simplesmente não consigo ler sua expressão, nem lançar palpites sobre seus pensamentos.

— Se eu tivesse te agarrado pela nuca, beijado sua boca, se eu tivesse passado minhas mãos pelo seu corpo lindo, como eu desejei? Naquela noite, eu queria que você e eu pudéssemos explorar o que tínhamos guardado, um pelo outro. Eu passei anos imaginando o que teria acontecido, se você teria me beijado com a mesma intensidade, se teria tanto desejo guardado quanto eu tinha. — Provoco, e cada palavra sai da minha boca, carregada de uma volúpia maciça, cujo percebo que nunca esteve morta. — O que aconteceria se eu tivesse beijado você, Josephine? Você sabe? — Instigo, louco por uma resposta.

Without You - Herophine {CONCLUÍDA/DEGUSTAÇÃO}Onde histórias criam vida. Descubra agora