Without You - Herophine {CONCLUÍDA/DEGUSTAÇÃO}

PACIÊNCIA

Eu não me atrevi a puxar assunto com ele durante o percurso. Ele dirigia calmamente, tamboreando os dedos no volante, no ritmo de uma música que, por incrível que pareça, ele não colocou no último volume como faz no escritório. Sua voz rouca, e sotaque arrastado parece mais bonita enquanto canta é bonita, mas quando fala é irritante e áspera aos meus ouvidos. Hero estaciona rente à calçada e olha para mim, desligando o motor do carro, que desmaia silencioso, deixando o clima constrangedor.

— Entregue — Diz com um sorriso mínimo nos lábios. Coloco a mão na maçaneta da porta, e ouço o destravamento da tranca. Antes de jogar as pernas para fora, Hero toca em meu braço. — Suas passagens de avião devem estar no seu e-mail até às dez da noite.

Saio do automóvel, um pouco confusa, abraçada as minhas pastas e minha bolsa pendurada no meu ombro. Dou poucos passos sobre gramado verde recém aparado do meu jardim. Ainda sinto o cheiro típico de grama cortada pelo ar. Concentro-me para não cair, afundando os saltos dos sapatos na terra, até chegar a trilha de concreto que me leva até a porta dianteira da casa. Ouço um barulho da porta do carro dele batendo, viro-me, curiosa, e vejo sua figura alta e esguia caminhando na direção da casa dos pais. Ele entra sem bater na porta, despertando em mim uma série de lembranças sobre o nosso passado juntos.

— Ainda dói? — Hero perguntou passando o dedo delicadamente sobre o local da pancada. Joguei a cabeça pra trás sentindo dor no mesmo instante do seu toque. Ele fez uma careta, como se estivesse se desculpando.

— A culpa é sua que não me ensinou direito — Acusei o garoto pálido de cabelos castanhos, e olhos verdes, ajoelhado ao meu lado, com semblante preocupado. Em instantes, Hero começou a chorar.

— Está chorando por que razão? — Perguntei usando palavras difíceis que eu tinha aprendido no jogo do papai.

— Se você contar pros meus pais que caiu porque eu tava tentando te ensinar a andar de skate, meu pai vai me bater — O menino confessou, com medo presente em sua voz. Seus olhos nublados piscavam, e mais lágrimas caíam pelo rostinho liso.

Dessa vez, eu fiquei com pena dele. A expressão do garoto ia de mal a pior, imaginando a surra que levaria caso eu abrisse a minha boca. Passei meu dedo sobre minha pele dolorida, onde nasceria um belo hematoma daqui há alguns minutos...Voltei a olhar pra ele e levantei seu rosto para que ele olhasse para mim, tentando transmitir um pouco de tranquilidade.

— Eu não vou falar pra ninguém. Confia em mim. Eu sou sua melhor amiga — Declarei pela primeira vez, em alto e bom som, o que eu achava da minha relação com o vizinho filho dos Tiffin.

Ele sorriu agradecido e se desencolheu aos poucos, se colocando de pé e estendendo sua mão pequena e branca para que eu pudesse me levantar. Hero e eu saltitamos pela calçada, recolhendo os vestígios de medo que deixamos por ali. Nós fomos para a minha casa. Eu o deixei esperando na varanda dos fundos, e corri até a cozinha, mesmo sentindo a dor a cada passo. Subi em uma cadeira, encostada no armário, e fiquei na ponta dos pés, até alcançar um pacote de bolachas. Voltei para a varanda, onde encontrei o rosto de Hero me olhando pelo vidro da porta. Ele sorriu, e se escondeu assim que me viu apontando pelo corredor. Entreguei o pacote na mão dele, e logo, estávamos dividindo o lanche, mesmo com as mãos sujas. Nossas gargalhadas se uniam conforme observamos o comportamento de um cachorro perdido no quintal da casa dele. Logo seu dono apareceu, e a graça acabou. A mãe de Hero estacionou o carro, e ele arregalou os olhos, pedindo-me cumplicidade.

— Não esquece! Por favor, não conta, tá bem? — Ele pediu antes de se levantar. Eu, por um impulso, beijei sua bochecha, que ficou corada no mesmo instante. O menino se encolheu ao meu lado.