Capítulo XIV

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Harry decidira matar a última aula do dia, de história da magia, para visitar Draco Malfoy em sua casa. Ele não acreditava que estava fazendo tal coisa, mas era preciso.

Ele de repente se via em seu sexto ano, usando o mapa do maroto novamente para saber se Draco estava no castelo, ficando extremamente curioso quando percebia que não, ele não estava. Não estava bem nem para ir e se esconder no castelo, havia ficado em casa.

Harry andava solitário até Hogsmeade. Ele pensava em tudo que diria para Malfoy, em tudo que perguntaria para ele.

Sentiu algo se movimentando atrás de si, e virou-se de supetão, sacando a varinha.

Não havia nada ali.

Talvez ele estivesse ficando louco. Louco como Malfoy.

Se repreendeu internamente por ter pensado tal coisa. A guerra não fora gentil com ninguém, e não era justo rotular o outro de "louco" só porque as sequelas da guerra sao mais proeminentes nele.

Suspirou, pensando na aula de poções do dia. Ele conseguira fazer a primeira parte da poção, ao contrário de todos na turma, e Slughorn ficara tão orgulhoso que dissera que o prêmio já estava quase garantido para Harry.

Ele honestamente não conseguiria sem a ajuda de Malfoy. Harry não era tão lerdo assim, e percebera que Draco, em todas as aulas, o ensinava conceitos dos primeiros anos, para que ele "não fosse uma pedra tão grande no caminho dele", palavras do próprio.

Ele chegou na casa dos Sonserinos rapidamente.

Ficou ansioso quando chegou na varanda da casa. Seu coração martelava em seu peito, e ele não sabia exatamente porque. Talvez fosse pelo fato de que apenas duas portas o separavam de saber o que se passava por trás dos olhos cinzentos de Draco Malfoy.

A porta estava destrancada. Ele fez questão de bater, porém, para indicar que estava entrando e não assustar o outro.

Adentrando a casa, sentiu um cheiro de queimado vindo da cozinha. Ele se apressou, passando pela sala de estar, e chegando no cômodo encontrou Malfoy sentado na bancada com os olhos vidrados em algum ponto distante enquanto o que quer que estivesse no forno era praticamente carbonizado.

Ele desligou o forno rapidamente e virou-se para o garoto loiro, que não parecia ter notado sua presença.

Harry não era estrangeiro quando se tratava desse tipo de coisa. Ele e seus amigos já passaram muito por situações assim, principalmente Hermione, que fora torturada por Bellatrix somente há um ano, e aqueles que permaneceram em Hogwarts para concluir os seus estudos, mas ao invés disso ganharam apenas pesadelos e trauma; Neville, Gina, Simas e Dino eram bons exemplos.

Ele sabia exatamente o que estava acontecendo, e agachou-se na frente de Draco. Não sabia o que dizer, não sabia se ele o via, mas não custava nada tentar.

— Draco, sou eu, Harry. — Disse ele, sua voz baixa. — Está tudo bem?

— Crabbe... si... muito... — Ele balbuciou, sem dizer coisa com coisa. Harry não conseguiu escutar diversas das palavras de Malfoy, e sabia que ele não estava falando com quem achava que estava, mas persistiu.

— Eu não sou Crabbe, Draco; sou o Harry. Harry Potter. — Disse ele. — Diga quem é, Harry Potter.

Então, Malfoy deu um pulo na cadeira, de supetão. Seus olhos encheram-se de lágrimas e ele os fechou, deixando as lágrimas caírem. — Desculpe, eu... eu não... — Ele choramingou, e então, soltou um grito, como se estivesse sentindo uma dor física repentina, insuportável. — Pai, eu não podia....

Aquilo assustou Harry. Ele se afastou enquanto Draco se contorcia na cadeira. Não sabia exatamente o que fazer, toda a sua confiança se esvaíra de seu corpo. Draco estava tendo um flashback, e aquele que lhe causava dor era seu pai. Harry sentia raiva, tanto por causa de Lúcio, quanto porque estava imponente. Não sabia como proceder.

— Pai, eu não podia! — Malfoy repetiu, em prantos.

Seria aquele um flashback do encontro que tiveram na Mansão Malfoy? Seria aquele um momento que fora culpa de Harry? Afinal, havia alguma coisa de errado na vida de Malfoy que não fosse, de uma maneira ou de outra, culpa de Harry? Parecia que todos os problemas do loiro giravam em volta do menino que sobreviveu.

A família dele não estaria destruída, se não fosse por Harry. Ele não teria perdido Crabbe, se não fosse por Harry. Não teria sido obrigado a viver com Voldemort, se não fosse por Harry. Não teria sido obrigado a matar Dumbledore, se não fosse por Harry. Não teria perdido seu professor preferido. Não sofrido nas mãos de seu pai naquele dia, talvez nunca.

Se Harry tivesse morrido naquela noite, junto com os seus pais, parecia que a vida de Malfoy seria mais fácil, mais feliz. Menos traumática.

E mais uma vez, Harry achava que a responsabilidade da maioria das mazelas do mundo eram sua culpa. Sabia, no fundo, que não poderia ter impedido o que acontecera com Malfoy, nem com ninguém, mas talvez, se tivesse aceitado sua amizade naquele primeiro ano....

Cheio de pensamentos ruins, Harry sentiu as paredes se aproximando dele, sentiu o ar se tornando mais rarefeito, sentindo sua cabeça queimar, pulsar, quase explodir. Ele respirou fundo, tentando se segurar na mesa da cozinha, mas o mundo girava ao redor de si.

Ele sentiu um gosto amargo na boca, a bile subindo por seu esôfago. O ponto onde sua cicatriz estava doeu, mas ele sabia que aquilo não era culpa do Lorde das Trevas, que estava, há um ano, morto. Mas aquela dor foi o necessário, o suficiente para fazê-lo acreditar, piamente, que estava prestes a morrer.

Ele se sentiu sufocando, e teve que sair dali.

Saiu da cozinha, cambaleando pela sala de estar, fechou a porta da casa, saindo do recinto. Quase caiu da varanda, e por isso, encostou-se na madeira fria da cerca, remoendo-se por suas ações, mas o que ele poderia fazer? Draco não gostaria de saber que recebera ajuda de Harry, não gostaria de saber que ele o vira em um momento de fraqueza, não gostaria de saber que Harry se quer estivera naquela casa.

Rezando para que Malfoy ficasse bem, mesmo sem sua ajuda, Harry foi para sua própria casa, se sentindo como um covarde, que foge com o rabo entre as pernas. Todas essas decisões, porém, foram tomadas no meio de um ataque de pânico, e ele não poderia ser responsabilizado por seus atos covardes.

Quando chegou em sua casa, caiu no meio da sala de estar, seu rosto suado, suas mãos e pernas tremendo, seu corpo todo dolorido, e seus olhos pregando peças neles mesmos.

Ele via sombras pelo canto do olho, via uma figura familiar de um homem pálido e com narinas ofídias, vestes negras, varinha em mãos. Então, ele ouviu, naquela voz que enviava calafrios de medo por sua espinha, naquela voz rouca e sinistra, capaz de dar pesadelos ao homem mais forte. A voz daquele assassino, torturador, maníaco, louco.

E então, tudo escureceu, como se Harry estivesse morrendo uma segunda vez. 

Cicatrizes e FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora