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               Naquele momento meu quarto era o lugar mais seguro em meio todo aquele caos que minha vida havia se tornado em menos de uma semana. A cama que estava encharcada de lágrimas era a parte de toda aquela em que eu me sentia mais segura e longe de todos os problemas que ao amanhecer me atingiam novamente como uma bomba.

Eu sentia tanta, mais tanta falta da minha mãe. Se ela estivesse aqui saberia como me aconselhar, como fazer com que em meio todo aquele caos eu achasse uma salvação. Uma luz no fim do túnel. Se ela estivesse aqui... Ah... Se ela estivesse aqui nada disso estaria acontecendo.

Que saudades sinto de chegar da escola e poder contar para ela como foi meu dia, sinto falta dos almoços de domingo onde todos se reuniam e contavam histórias e como havia sido sua semana. Eu me sentia num ambiente estranho, num ambiente hostil. Ninguém nessa casa sabia o que eram almoços de domingos, contar história sobre seus dias ou simplesmente almoçar todos juntos.

Eu chegava da escola depois dos meninos e como estavam sempre em seus quartos eu nunca os via diretamente. Francisco trabalhava o dia inteiro e Joaquim já havia começado a faculdade de Medicina. Katarina nunca parava em casa, Letícia era a que eu mais via e sempre na cozinha.

Acho que compartilhávamos do mesmo gosto por café expresso mas não trocávamos nenhuma palavra. Eu me sentia solitária. Assim como hoje estava me sentindo mais do que nunca.

Gramado era quase sempre frio, raramente fazia aquele sol onde você tinha vontade de sair de casa e não aguentava mais tanto calor como no Rio de Janeiro. As pessoas saiam para se divertir do jeito delas, e eu sentia falta da minha melhor amiga nessas horas.

Depois daquele dia em que falei tudo aquilo para Miguel eu decidi tirar os meus dois dias de atestado e não apareci mais na escola. Hoje era sábado e eu estava em casa, chorando.

Ouvi duas batidas na minha porta e fechei meus olhos torcendo para que a pessoa desistisse.

As batidas continuaram e dessa vez foram quatro. Eu sabia que iria ter que atender quem quer que fosse. Respirei fundo e enxuguei as lágrimas do me rosto. Prendi meu cabelo e passei a mão pelo rosto tentando fazê-lo ficar menos vermelho.

Abri a porta e Francisco estava parado de pijama e com uma xicara em mãos.

— Você não desceu para almoçar hoje então pensei em te trazer uma xícara de chocolate quente – disse, me estendendo a xícara para que eu pegasse a mesma. Percebi seus olhos pairando em meu rosto. – Estava chorando?

— Não – neguei, pigarreando. – Obrigada pelo chocolate quente mas não estou com fome.

— Foi papai que pediu para te entregar.

— Obrigada Francisco, mas eu não quero.

— Tem certeza? Eu lembro que você gostava muito de chocolate quente.

Francisco ainda lembrava de algo que eu gostava quando pequena? Isso foi algo que me deixou um pouco surpresa, ele nunca se manifestava quando o assunto eram memórias do passado.

— Tudo bem – peguei a xícara do mesmo – obrigada.

— Por nada. Amanhã vamos todos almoçar na casa dos pais da Carli, se você estiver interessada em ir conosco.

— Não estou.

— Tudo bem, não precisa responder agora. Só pensa no assunto.

— Ok.

Ele me olhou por mais alguns segundos e se despediu com um sorriso de canto no rosto adentrando em seu quarto que ficava de frente para o meu. Entrei no meu quarto e voltei para minha cama, coloquei meus fones e bebi o chocolate quente. Francisco estava certo, eu sempre gostei de chocolate quente, mas a única parte ruim era que ele também me trazia lembranças e todas elas voltam para uma única pessoa: mamãe.

Foi estranho ver Francisco preocupado comigo, desde que cheguei não trocamos mais nenhuma palavra. Esse deve ter sido o primeiro diálogo que tivemos em uma semana que estamos morando sob o mesmo teto. E isso foi... Estranho. Mas, sei lá, foi um estranho bom.

O Que Dizer De VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora