Quando chegamos em casa o silêncio pairava sobre todos, chegava a ser ensurdecedor. Era como se todos nós estivéssemos sentindo o que Miguel estava passando, mas a verdade era que a única pessoa que poderia sentir realmente era ele.
De certa forma eu conseguia sentir o que ele sentia naquele momento, não na mesma intensidade, mas conseguia. Quando perdi minha mãe foi como se meu mundo desabasse, e desabou mesmo. Mas... O fato dele não ser tão próximo dos pais me deixava um pouco curiosa do porquê de tudo aquilo, para um filho consideravelmente distante, ele estava sentindo muito.
— O que podemos fazer para que você fique melhor? — Katarina perguntou.
— Eu só preciso de um banho e ficar sozinho.
Ela se calou, contragosto.
— Você ficará no quarto do Francisco, ele está em um Congresso pela empresa e só voltará daqui dois dias.
De frente para o meu quarto? Hum... Não.
Preferi não me manifestar, naquele momento ser inconveniente era a última coisa que eu estava desejando. Permaneci calada. Papai pediu ajuda para que os meninos levassem as coisas de Miguel para o quarto de Francisco, enquanto Katarina ficou responsável por pegar as coisas para que ele pudesse se acomodar melhor.
Eu acabei sobrando, o que já era de se esperar. Fui para a sala e peguei meu celular, tinha uma mensagem de Bruck.
Bruck: Eu fiquei sabendo que o Miguel está na sua casa. Como ele está? Estou preocupada, queria estar ai mas acho que ele precisa de um tempo sozinho.
Lara Lis: Ele está bem... Da maneira dele. Disse que precisava de um banho e ficar sozinho, estamos respeitando esse momento. Digo, todos estão, menos Katarina.
Bruck: Essa garota é sufocante. Santo Deus!
Lara Lis: Eu vou tentar ver como ele está daqui a algumas horas. Te mando mensagem falando.
Bruck: Tudo bem...
Bruck: Lara?
Lara Lis: Oi?
Bruck: Posso te pedir um favor?
Lara Lis: Pode.
Bruck: O Miguel é sensível demais. Pode parecer que não, mas ele é. Cuida dele por favor, por mim. Sou a melhor amiga dele e me sinto um verdadeiro lixo por não poder ajuda-lo nesse momento. Mas, ainda sim, estou feliz que ele esteja perto de você.
Lara Lis: Pode deixar, prometo deixar de lado por alguns dias o meu radar anti-babaca, por você. Eu sei que o que ele está passando, perdi a minha mãe, entendo a dor. Te mantenho informada, beijos.
Deixei meu celular no móvel que havia perto do sofá e fui para a cozinha. Em dias tristes minha mãe costumava fazer o chá dela, que ela denominava como chá animador. Não era tão animador, mas me passava a sensação de ser amada, de ter alguém que se importasse comigo ao ponto de fazer um misero chá se tornar muito importante.
Peguei tudo o que precisava e comecei a fazer o chá, meu pai apareceu cozinha dizendo que precisava se ausentar e voltar para empresa, mas que qualquer coisa eu poderia ligar e comunica-lo. Só assenti, não tinha muito o que falar.
— O que está fazendo? — Katarina apareceu na cozinha, me questionando.
Eu não sei o porquê, mas tudo que vinha dela com relação a mim eu a sentia armada. Como se a qualquer momento ela fosse me matar com uma faca escondida ou algo parecido.
Engoli a seco. Nem por tudo que era mais sagrado eu diria que estava fazendo um chá para o namorado dela.
— Um chá, estou com frio.
— Hum. Eu vou sair, preciso de um tempo para respirar. Toda essa carga do Miguel mexeu com meu psicológico e como ele quer ficar sozinho, vou respeitar.
— Tudo bem.
Ela ficou me olhando por alguns segundos, suspirou e se retirou.
Os gêmeos estavam na escola assim como Letícia, Francisco ficaria fora por dois dias e Joaquim provavelmente estava na faculdade. Ou seja, só restava eu e Miguel naquela enorme casa e ao mesmo tempo tão pequena.
Terminei de fazer o chá e coloquei na xícara, subi as escadas um pouco apreensiva. Digo, muito apreensiva. Eu não tinha noção de como seria sua recepção comigo, isso era algo que me assustava e muito. Pelo nosso histórico de conversas e convivência talvez seu modo de tratamento não seria um dos melhores comigo.
Bati duas vezes na porta, sem sucesso.
Ele realmente queria ficar sozinho.
Ameacei a bater mais uma vez e desisti, quando me virei para voltar para o meu quarto antes de qualquer ação humilhante, senti a porta se abrir por trás de mim.
— Oi — era sua voz.
Respirei fundo.
— O-oi — me virei, o encarando. — Desculpa... — ele estava somente com uma toalha enrolada na sua cintura deixando totalmente seu peitoral a mostra — eu não queria te incomodar — retomei as palavras rapidamente. — Sei que você quer ficar sozinho mas quando eu estava triste minha mãe fazia esse chá para mim, não é muito mas talvez você se sinta mais acolhido pela minha família.
Pela minha família? Desde quando eu considerei todos daquela casa como minha família num geral? O que eu estava falando? E por que eu estava tão nervosa? E falando rápido?
— É... Tudo bem. Você fez um chá para mim? — me olhou desconfiado.
Claro que ele olharia desconfiado, sempre brigamos por qualquer motivo e agora eu estava ali naquela porta parada com um chá em mãos?
— É... Sim. Se não quiser aceitar, não tem problema.
— Eu aceito. Pode entrar e colocar na cômoda para mim? Só vou me trocar.
Eu assenti.
Entramos no quarto e Miguel fechou a porta atrás de si, pude sentir seus olhares pesados sobre mim, preferi ignorar. Ele entrou novamente no banheiro e eu fiquei ali, encarando aquela xícara na cômoda me perguntando se eu saia ou não daquele quarto.
Eu não saí.
Talvez ele quisesse conversar, desabafar, não se sentir sozinho.
Ou talvez ele só havia pedido para eu colocar aquela xícara ali e ir embora.
— Achei que não estaria mais aqui — ele disse, saindo do banheiro agora vestido com uma calça de moletom e sem camisa.
— Eu posso ir embora — me levantei. — Só fiquei porque...
— Não precisa ficar nervosa — ele me interrompeu. — Não achei ruim você ter ficado, somente estranhei, todos sabem que você não é muito fã de compartilhar lugares comigo.
— Não é bem assim...
— Não precisa mentir, Lara Lis — ele respirou fundo — eu sei que sempre fui um babaca com você. Geralmente eu não sou assim com os amigos dos meus amigos, mas...
— Mas?
— Mas você é bem irritadinha e isso me incomodou — disse rapidamente. Era realmente aquilo que ele iria dizer?
— Eu sou um pouco estressada, confesso — ri rapidamente. O riso era puramente de nervoso. — Mas, já que você quer ficar sozinho e eu preciso estudar algumas coisas, acho melhor eu ir embora.
Miguel me encarou, me encarou duramente. Ele parecia lutar internamente contra si mesmo. Aquilo estava me deixando incomodada e com a sensação que ele estava realmente incomodado com a minha presença ali.
— Você pode... ficar? — pediu, com a voz falha.
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O Que Dizer De Você
Teen FictionLara Lis não sabe mais o que fazer, depois da morte de sua mãe se vê perdida ao ter que ir morar com seu pai e sua nova madrasta. Sendo a única mulher entre quatro irmãos ela percebe que terá que vencer todos os seus medos e enfrentar essa nova fase...