◇ CAPÍTULO DOZE ◇
Trem - Ele
EU OLHAVA PARA A janela e do outro lado eu podia ver as muitas paisagens verdes e às vezes sombrias passando num borrão. Todo esse frenesi de imagens me fazia refletir sobre a seriedade do que eu estava para fazer. Tudo aquilo era algo que há muito eu havia planejado. Durante muito tempo, esse havia sido meu grande plano de vida, o que se tornou um sacrifício, se olhasse toda a trajetória.
Para o início, podia citar a minha vida como um todo durante aqueles últimos dois anos.
Sei que não deveria ser assim, afinal, quando vim para Londres, fugindo do meu padrasto e de toda a cidade de Coldwint, prometi a mim mesmo que voltaria para minha cidade natal em uma missão de resgate à minha mãe. Mas ver amigos e colegas saindo para as festas durante a noite e não ser parte daquilo que eles consideravam como diversão, me deixava solitariamente triste.
Por muitas vezes me questionei sobre tudo que havia planejado. E sobre tudo que havia renunciado. Sim...
O que eu estava fazendo, afinal? Isso sempre vinha a mente.
Tudo aquilo... era necessário? Seria?
A resposta veio meses depois que eu consegui um pequeno apartamento no centro da cidade. Eu havia comprado com o dinheiro da antiga casa onde morávamos, mais algo que eu mesmo havia juntado enquanto estava lá - o suficiente para um bom apartamento. E meu ânimo com tudo aquilo era tamanho, que podia ter certeza que a quilômetros poderiam perceber. Pelo menos foi assim que um dos meus amigos de Londres havia comentado. Edward havia dito que meu sorriso era algo quase como um grande refletor numa avenida movimentada, deveria me controlar pois poderia causar um acidente. "Cala a boca, Murphy!" Respondi a ele. Mas no final, ele estava certo.
Sim, no final, tudo aquilo valera a pena, e eu não poderia estar mais feliz.
Meu grande objetivo seria alcançado, e minha mãe sairia da casa daquele que havia destruído a mim, e a ela mesma.
Para todos nós, seria um recomeço.
Um novo recomeço.
As festas não frequentadas já nem tinham o mesmo peso. A bebedeira, noites com garotas, ou fosse lá que as noites reservassem. Tudo culminava naquele momento, e o que quer que o destino me reservasse.
Estava perdido nos meus inúmeros pensamentos quando uma garota quase caiu por cima de mim, após o trem dar o solavanco.
Ela estava muito aturdida e parecia bem estressada, pois a forma que se auto xingou logo em seguida foi de certa forma pesada. Ela ao menos teve a decência de pedir desculpas após a sessão de xingamentos, e sentou do outro lado das poltronas de veludo vermelho que já estavam velhas e gastas.
- Desculpa... eu só estou... - se desculpou novamente e levou as mãos as laterais da cabeça.
- Cansada? - perguntei. Dei um sorriso para ela.
Ela parou um pouco, como se revirasse algo em suas memórias. A garota tinha cabelos marrons reunidos em um gorro vermelho. Haviam olheiras ao redor dos seus olhos, que eram de um castanho bem claro, quase mel. As olheiras deixavam claro que não havia dormido direito na noite anterior. Ela ainda usava uma jaqueta de couro com uma camisa branca. Por dentro, podia ainda observar um pequeno cordão feito de algum tio de tecido, com um pingente das Relíquias da Morte, de Harry Potter.
- Acho que sim... - ela respondeu, por fim.
- Tranquila. Logo chegaremos à escola, e você poderá ir para a ala hospitalar. - Fiz a pior piada com referência possível.
- Ah tá! - e então riu. Um sorriso tímido e nervoso, mais parecia que ela tentava sorrir pra esquecer o que quer que ela houvesse lembrado segundos antes.
Ficamos sem falar nada durante um tempo, até que resolvi quebrar o silêncio. Devo admitir que essa era primeira vez que me permitia ter uma conversa mais longa com uma garota desde que saíra de Coldwint, preferia não entrar em relacionamentos pois poderia perder o foco, mas naquele momento, acho que eu poderia me permitir algo. E para quebrar o gelo, perguntei sobre a cidade:
- Coldy?
Sua face se retraiu um pouco. Ela então confirmou num aceno.
- É... - disse, por fim.
- Acho que você não gosta muito da cidade - comentei, desta vez olhando novamente para a janela.
- Tem como gostar daquele inferno? - ela falou de repente, me tirando uma gargalhada. Devo admitir que naquele momento estava nervoso.
- Desculpa... - disse ela, e começou a rir também. Seu sorriso era muito bonito, um dos mais lindos que eu já vira, assim como seu olhar.
- Aliás... como se chama? - eu perguntei a encarando, ela sorriu timidamente.
- Eu... - disse, olhando para a janela. - Me chamo Alana... Alana Adbal.
- Prazer... Vance Lotus. - Me apresentei no mesmo momento. Ela riu novamente, mas não tirava o olho da janela. - Seu nome não me é estranho.
- Com certeza não. - E sorriu nervosa. - Lotus... Igual a flor? A flor de lótus...
- É sim... era chamado de Sr. Pétalas Brancas na escola. As pessoas perguntaram sobre meu nome, e, bem, eu expliquei. - Acabei contando demais para ela, mas a garota apenas sorriu.
Ela então olhou para mim, e eu pude ver um pouco mais os seus olhos. Eram tão lindos que eu poderia admirar ele por horas. Sim, talvez eu estivesse gostando de alguém que acabara de conhecer.
- Coldwint nunca foi um bom lugar para pessoas com algo diferente morarem. E quando resolvi falar sobre a origem do meu sobrenome... bem... as pessoas não acharam tão legal quanto eu achava. - Expliquei novamente e ela apenas sorriu.
- Aquela maldita cidade.
- Aquela maldita cidade. - Eu repeti. - Ninguém é feliz lá...
Ela parou. E eu vi seus olhos castanhos brilharem um pouco. Seus pensamentos estavam em outro lugar, e não eram ali, entretanto, eles se combinavam com o que eu havia acabado de falar.
Ninguém era feliz em Coldwint Town. Ninguém.
Essa era a maldição da cidade.
- Ter um pai bebum não é bem visto pela cidade...
- Ser afilhado do cara mais rico e consequentemente o mais idiota... bem... eu não sei como isso é visto. O dinheiro pode manipular a visão das pessoas.
- Norant...? - Ela devia conhecer.
- Norant... - respondi, confirmando.
Ela suspirou e limpou os olhos. Olhou para mim e sorriu, mas dessa vez, apenas com os lábios cerrados. Alana era alguém diferente, e eu havia gostado daquilo.
- Somos dois amaldiçoados, Vance - disse, por fim. E Baixou a cabeça, deixando algumas mechas do seu cabelo caírem sobre seu rosto. Então olhei para fora, a janela ainda exibia aquele misto de cores verdes habitual. O céu, adquiria cada vez mais uma coloração cinza. E o que Alana havia falado se tornava verdade em minha mente.
- Sim... somos.
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O Apagar das Luzes [DISPONÍVEL NA AMAZON]
RomanceAlana é uma garota que enfrenta problemas com álcool e com o passado que a persegue. Desde nova, deixou que sua vida se tornasse cinza e sem perspectiva alguma. Residindo em Londres, ela consegue ser demitida do seu décimo emprego, e se vê "obrigada...