Prólogo ◇ Ele

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◇ PRÓLOGO ◇

Ele

ERA TARDE.

As nuvens cinzentas do dia de outono exibam a única cor daquele momento, assim como a única cor que a cidade podia exibir. As quase 30 ou 40 pessoas que estavam reunidas naquele lugar tinham apenas um desejo em comum e as palavras que o reverendo da cidade declamava não traziam nenhum efeito sobre ninguém, muito menos para a minha mãe.

A mulher de cabelos já um pouco grisalhos encontrava-se sob a tenda que havia sido montada para abrigar a meia dúzia de pessoas que poderiam comparecer ao enterro. Mas é claro, o inédito acontecimento que havia levado a vida do afilhado do homem mais rico da cidade, era algo para ser apreciado com bastante atenção. Como quem assiste um programa de tevê, ou uma série em algum canal de streaming.

— Tão novo! — murmuravam entre si.

Quanto à minha mãe, receio que estivesse bastante triste, afinal, desde que chegara apenas gritava que algo era culpa dela. Mas o que havia sido? Eu simplesmente não podia saber. E o que havia de fato acontecido? Eu sabia apenas que havia sido uma "tragédia sem precedentes", pois era o que todos comentavam...

Minha mãe então soltou um grito de agonia cortante. Senti o grito passar por mim como uma navalha, era a primeira coisa que sentia no dia. Seu grito ecoou pelos centenários carvalhos de cor acinzentada do cemitério de Coldwint, e foi o seu grito que me fez perceber alguém que já não via há muito tempo. Meu pai aguardava a conclusão da cerimônia sob um dos carvalhos, suas mãos estavam dentro dos bolsos do sobretudo preto, e sua expressão ao observar a quebra do paradigma era incrivelmente fria. Podia perceber uma certa tristeza, mas ela era bastante escondida, como tudo que o envolvia.

Após o grito de desespero, a cerimônia prosseguiu com o reverendo em seu tocante discurso sobre a vida e sua preciosidade, mas que ninguém prestava realmente atenção a qualquer palavra. Então uma fina garoa começou a cair, deixando perdidas as lágrimas de minha mãe que novamente começava a chorar e corria para a fora da tenda.

A cada momento que passava, o ambiente ficava mais e mais pesado... embora não pudesse de fato sentir isso.

Uma leve brisa soprou um alívio para as almas do cemitério de Coldy. Enquanto isso uma das crianças que brincavam sobre um dos túmulos acabou caindo, e logo perto, uma mulher estranha que no início da cerimônia havia discretamente roubado uma rosa do caixão, discutia aos cochichos com uma garota de cabelos curtos e que vestia um gorro cor de vermelho sangue.

Instintivamente, observei com mais atenção seu rosto. Eu a conhecia. Havia falado com ela pouco antes de...

De tudo ficar escuro.

A garota que tentava tomar das mãos da senhora a rosa branca, ralhava com ela bem baixinho. Mas isso parou quando a mesma me viu.

Como se ainda tivesse corpo.

Como se ainda um coração batesse, senti algo dentro como um baque.

Ela havia me visto? Sim. Podia jurar.

Por um momento pensei ser mentira, dentre todos os presentes aquela garota podia me ver.

Apenas Alana Adbal podia me ver.

◇◇◇

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