10. Dolo ◇ Ele

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♦ CAPÍTULO DEZ ♦

Dolo  Ele

⚠️AVISO: ESTE CAPÍTULO CONTÉM CENAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA⚠️

A MANSÃO DOS NORANT estava destruída.

A grande mansão e residência oficial do homem mais rico e babaca da cidade não estava em seus melhores dias. E isso, eu pude notar logo ao deixar Alana na calçada e passar pela cerca viva e baixa que rodeava a casa. Onde um dia fora o jardim que a minha mãe havia se alegrado ao perceber que teria várias flores para cuidar, agora, só exibia esqueletos sem vida de plantas que não resistiram a toxidade do ambiente. Sim, aquele lugar era tóxico. E a cada passo que eu dava em direção a casa do meu passado, ele mesmo, o passado, se mostrava imbatível ao me bombardear com as piores lembranças.

Como a de quando ela cuidava daquele mesmo jardim, e eu estava dentro do meu quarto, a janela do meio. Em determinado dia, pude ver quando ele chegou da empresa e a arrastou pelo braço para dentro de casa. Embora meu pai gritasse com ela, ele nunca havia feito aquilo. Logo depois ouvi os gritos vindos lá de baixo, era uma das primeiras discussões: minha mãe questionava o porquê que ela não poderia ficar cuidando do jardim, e ele respondeu que não queria que ela saísse até a rua, pois era perigoso que a mulher de um homem como ele se mostrasse muito para os outros, ele presava por sua segurança contra pessoas mal intencionadas.

Minha mãe acreditou nele.

Ela não percebeu que era o mesmo ciclo se repetindo. Com as mesmas ações, porém agora com um ator diferente.

Subi o batente da porta de entrada e um tapete com as letras CW me recebeu. O número 34 brilhava reluzente na porta de mogno, e eu estremeci com a áurea sombria do lugar. Era estranho como aquela residência parecia ter uma alma, uma alma triste e desesperada. Encostei meu rosto no 34 dourado, e aos poucos, atravessei a porta escura até o saguão de entrada.

O carpete vermelho com arabescos em branco e dourado estava com uma grossa e visível camada de poeira, e o chão estava repleto de correspondências que provavelmente haviam chegado há pouco tempo, talvez até naquele dia. A pouca luz que entrava pelas janelas da casa deixava o pequeno saguão de entrada pálido e ainda mais vazio. O ambiente estava sombrio e nada aconchegante.

Caminhei lentamente até o final do cômodo, onde um pequeno suporte na parede segurava um sobretudo cinza-grafite. Deduzi que Bruce estaria ali, talvez na cozinha. Continuei a andar e a cada passo, a casa ia se revelando mais e mais e eu estava revendo o meu passado naquele que deveria ter sido um lar seguro e feliz.

As lágrimas que minha mãe passou novamente a derramar depois de pouco tempo com Bruce invadiam pouco a pouco a minha consciência, talvez em todo aquele tempo, ela estivesse ciente de tudo, porém sem forças para reagir, como da vez que Bruce tentou me bater. Havia sido na sala de estar e durante a véspera de natal. Ele havia me xingado de garoto burro por ter derrubado uma das guirlandas que ficavam no console da lareira, junto com as meias dos presentes. No pequeno rádio que minha mãe gostava de ouvir durante a véspera de Natal, tocava Noite feliz, e Bruce estava no sofá. Imediatamente eu o mandei para o inferno, e como resposta, ele tirou o próprio cinto da calça e avançou para cima de mim.

— Vou lhe mostrar como se respeita um homem, seu veado de merda.

Mas não conseguiu terminar, pois ao ver a cena, minha mãe se atravessou entre eu e ele, e recebeu todo o impacto de sua ira. Foi o primeiro natal estragado.

Eu estava exatamente na sala naquele momento, e estranhei ver tudo com grossas camadas de pó. Não era o comum. Minha mãe sempre prezou pela limpeza, em todos os aspectos, e aquela casa parecia não ter sido limpa há dias. O ambiente ainda estava escuro, e se ainda pudesse sentir aromas, podia jurar que aquele lugar cheirava a mofo e pó. Divisei todo o ambiente sem vida, a minha presença apenas contribuía para o conjunto completo. Ouvi um tilintar na cozinha, poderia ser Bruce, achei, mas não era ele que eu pretendia ver. Resolvi seguir pela escada que se erguia nada majestosa no ambiente lúgubre e melancólico.

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