Glórienn Quebrada 01 - O Quarto Vazio

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Glórienn Quebrada 01 – O quarto vazio

No ostensivo palácio de Tauron, deus da força, nenhuma área é de maior exuberância do que seu harém. Nem os salões de troféus, nem mesmo quarto pessoal do deus recebia tratamento igual. Além da enorme beleza das moradoras, os espécimes mais belos e perfeitos de cada raça humanoide existente, tudo o mais que envolvia a arquitetura do harém era feito de joias e tesouros. Lá, tudo brilhava, tudo faiscava, refletindo o furor romântico de Tauron: uma força acima de qualquer força. Mas, dentro desta área de absoluta oblação e despojo, havia uma alameda discreta, pavimentada com flores de lótus de todos os tons e que, unidas, formavam um grande arco florido. Essa pequena alameda parecia uma vírgula, destoando drasticamente seu enfeite natural versus as montanhas de joias que encrustavam o resto do lugar.

Mesmo assim, todo olhar que passava por aquele corredor esquecia, por alguns momentos, da ostentação abusiva dos tesouros, e do brilho faiscante das joias. Ali, naquelas flores, parecia existir uma beleza maior e mais verdadeira do que a que se podia encontrar em moeda vã.

Contudo, ninguém parava realmente por tempo suficiente para observar aquela alameda. Era um lugar discreto, e também proibido o acesso, então, no final, todos que olhavam logo se esqueciam e deixavam levar pela beleza mais imediata dos tesouros. Porém, caso houvesse alguém para observar em detalhes, veria que ao chão, onde as pétalas caíam serenas, as flores estavam sempre murchas, sujas e podres.

Discretamente, a serviçal ajoelhou-se e pegou algumas das pétalas podres, suspirando. Era uma elfa, de cabelos azulados – cor da realeza, importante, superior – com roupas da mais pura seda delineando um corpo perfeito. Esmagou, entre os dedos, a pétala podre e, em seguida, lançou seus passos através da alameda florida.

Ninguém tinha permissão ali – exceto ela e, é claro, o grande Tauron. Se dependesse do deus da força, ninguém além dele poderia pisar naquelas terras. Mas alguém tinha que limpar a sujeira. E era para isso que ela servia.

A elfa caminhou com passos contados até que, num clarão esplendoroso, a alameda se transformou num gigantesco jardim. Aves como arco-íris cantavam melodias deliciosas, enquanto fontes naturais d'água corriam por colinas ao longe. Árvores ancestrais deixavam seus troncos majestosos se mesclarem com construções feitas de pedra polida, desenhadas em pinturas de beleza indescritível.

Por mais que detestasse seu trabalho, a serviçal pelo menos podia se alegrar quando adentrava naquele salão oculto. Deixava seus dedos passarem pelos cascos das árvores, pela superfície das pedras. Se permitia encantar pelo canto dos pássaros e pelo frescor de um mundo eternamente em primavera.

"A beleza que sobreviveu do mundo dos elfos", disse, para si mesma, "tudo que realmente nos restou".

Mas sua contemplação sublime foi destruída quando ela observou um rastro de plantas mortas. Com uma careta de desprezo, a elfa serviçal continuou o caminho até chegar a seu destino: um esplendoroso portal que reunia tão perfeitamente rocha, planta e arquitetura, criando pintura em que se era impossível distinguir aquilo que nascera naturalmente e o que fora moldado. Com as mãos delicadas, a elfa abriu a belíssima porta, deixando os olhos se derramarem no interior de um quarto tão suntuoso e aconchegante que abraçava seu coração. Almofadas fofíssimas pendiam de poltronas. Bordados finos ornavam penteadeiras e espelhos. E uma cama grande e sublime, capaz de suscitar as mais delicadas e selvagens fantasias de amor, tomava o centro do aposento.

Contudo, o quarto estava vazio. E vazio faz muito tempo. A elfa mordeu o lábio com desprezo. Lógico que não estaria ali. Odiava essa parte do seu trabalho. Tinha agora que partir, outra vez mais, em caçada...

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