O último Poema de Lenórienn

94 3 3
                                    

Um micro conto poético por Victor Gaigaia, 12/06/2019

Quando as águas cantavam

Na praia as águas soam mudas

Soam mudas de lembrar

Do som de outrora, quando nudas

Sal e espuma orlavam lá

Na terra longe a lira açuda

Almas tórridas de amar

E a espada, e a flecha, e a lança cruda

Dançam, cantam: era lá

Os olhos fecham, a mente aguda

Ouço um som que vem de lá?

Imploro, rogo: não me iluda

Praia, estrelas, céu e mar!

Peito aberto ao céu disseco

Vem a mim silêncio...e eco

Peito aberto em céu deserto

Só silêncio...e eco...e eco

Pr'onde foi a lira pura?

O beijo, a espada, o canto, a cura?

O amor singelo, a vida, a pluma?

Hoje só vazio e espuma

Águas lentas, praias cruas

Choros largos, tristes luas...

Chega! Acaba a poesia!

Convulsiona a fantasia!

Tudo bom desmoronou!

A história é extinta no duelo

Morra o lindo, finde o belo!

Glória o mundo abandonou!!

Morre o lindo, o bom, o belo

Glória mundo abandonou...

Morre tudo, tudo belo

Glória...Glória nos deixou...

Nota da edição:

Poema descoberto nos cadernos do último Enn – título dado aos arquipoetas da antiga Lenórienn élfica, atualmente dominada pela Aliança Goblinóide. Os cadernos foram resgatados na praia onde o corpo do poeta foi encontrado; a morte foi constatada como suicídio por afogamento. Com sua morte, acabou a linhagem dos Enn, sendo este o único que havia escapado durante a invasão e massacre dos elfos pela Aliança. Os teóricos élficos marcam portanto que este é o último poema que pode ser atribuído às tradições de clássicas Lenoriennas. Apesar de seguir, em seu começo, a métrica iâmbica dos salões palacianos, a composição muda drasticamente ao longo do texto. Seu caráter melancólico e repercussão trágica são ainda um ponto delicado aos elfos refugiados, que consideram este poema simultaneamente algo a ser estimado, como também um mau agouro. O último quarteto do poema foi encontrado no mar, rabiscado. Acredita-se que o poeta escrevia enquanto se deixava levar pelas ondas. Estudiosos não sabem ainda se essa parte final deva ser considerada como integral ao poema; a maioria concorda que sim e, por essa razão, o quarteto foi adicionado integralmente ao poema nessa edição

~ Selenia Veralux, clériga de Tanah-toh, editora dos cadernos literários do Reinado

Comentário:

Além do muito que já foi dito desse poema no que diz respeito à sua metrificação e tanto mais, o que gostaria de salientar e que acho mais interessante é como ele quebra os padrões rígidos da literatura ao estilo de Lenórienn. Primeiro, na mudança da forma de composição. Segundo, na escolha de palavras – vamos lembrar, gente, que falar de 'beleza' e 'morte' numa mesma sentença era proibido em Lenórienn, imagina escrever sobre isso! Gosto de pensar que o poeta pelo menos tenha conseguido algum tipo de alegria ao inventar novas possibilidades, e que isso não tenha sido só um deslize final de desespero, como muitos outros bardos gostam dar como palpite. Espero que o poeta tenha conseguido descansar num mundo divino bom para ele.

~ Luigi, o Sortudo, bardo aventureiro

Universo TormentaOnde histórias criam vida. Descubra agora