O colar de flores da garota cujo nome será amanhã

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[conto meu que participou do concurso de contos da tormenta, volume 3. Infelizmente, não foi escolhido, mas pelo menos posso dividir com vocês; ~Gaigaia]

– Que foi, Satria? Perdeu o rastro de novo? – brincou o guerreiro, calmamente apoiado na barra do seu escudo.

A jovem suspirou, coçando os cabelos curtos enquanto erguia o rosto.

– Eu não perdi o rastro; nem agora, nem antes, Telken – disse, soletrando o nome do rapaz com um timbre de aborrecimento. – É só que as chuvas dos últimos dias estão tornando a busca um pouco mais complicada.

– Amiga, estamos procurando uma serpente gigante, e não um bezerro perdido. O que há de complicado nisso?

– Telken, querido, sinta-se convidado para me acompanhar nas buscas já que parece ser um desafio tão trivial.

Telken coçou a barbicha do queixo, fingindo ponderar longamente sobre a situação, apenas para balançar negativamente a cabeça.

– Não, estou bem por aqui. Pode continuar com a cabeça na terra. Lhe dá um charme meio rústico, sabe?

Satria bufou, tal qual faz um cachorro quando infla as bochechas entre rosnados:

– Ora, melhor ficar com o rosto cheio de terra do que colocar essa quantidade enorme de delineador nos olhos.

– Alguém do grupo tem que ficar fabuloso para quando fizermos nosso retorno triunfal, não é? Você sabe, para que os bardos lembrem com carinho de nossos feitos.

– Ah, sim, você gosta mesmo dos bardos – Satria direcionou um sorrisinho a Telken, no que o guerreiro correspondeu com um sorriso de igual impertinência. – Bom, é hora de colocar essas pernas para funcionar. Peguei o rastro da coisa; parece que subiu em direção às colinas, possivelmente deve ter seu covil em alguma caverna por lá.

– Perfeito! – Telken puxou o escudo do chão, atando-o às costas. Então, com um gestuário ironicamente garboso, fez uma reverência pomposa para Satria – A dama então me acompanha novamente nessa busca?

Com a língua pra fora, gracejando, Satria segurou a mão do guerreiro, também numa reverência debochada:

– Mas é claro, meu caro nobre. Prossigamos com nossa empreitada.

E, de mãos dadas, a estranha dupla continuou, lançando seus pés pelo terreno batido em direção às colinas ao longe. Haviam completado um pouco mais de um ano de jornadas, desde seu encontro inusitado no reino de Bielefeld, coração da Ordem da Luz.

Para todos os critérios, Telken já tinha sua vida toda planejada do berço. Nasceu numa das famílias nobres da capital Roschfallen. Como era o filho do meio, seu caminho seria o das armas. Além do treinamento habitual em tudo que concernia aos nobres, haveria de iniciar-se enquanto escudeiro dentro da Ordem da Luz para, eventualmente, sagrar-se cavaleiro e, caso assim os deuses quisessem, tornar-se um paladino. Quando seus cabelos ficassem brancos, receberia seu quinhão de terra, arranjaria uma esposa de estirpe e virtude, e haveria de passar o resto de seus dias em meditação e completude.

Não havia espaço para mudanças de rumo, assim eram as coisas e assim elas deveriam ser. E por não conhecer algo diferente, Telken imaginou que aquilo era tudo o que poderia esperar. E foi então que, numa manhã despretensiosa como tantas outras, enquanto caminhava por um dos belos passeios de Roschfallen, Telken viu Satria.

Ela não podia ser mais diferente dele. Telken já se aproximava dos seus vinte anos, de corpo largo e muscular, um quadrado esculpido nos árduos exercícios de cavalaria. Contudo, em contraste com o físico espantoso, seu rosto era quase ausente de marcas, evidenciando a vida reclusa e protegida. Satria, por outro lado, tinha estatura pequena, músculos lisos mas rígidos, e um corpo sinuoso de curvas esguias, apresentando a leveza de uma cotovia. Tudo apontava que ela estava, no máximo, margeando o limite dos dezessete anos – mas seu rosto, sulcado de marcas já enraizadas de estresse, apontava que há muito ultrapassara a mocidade.

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