Aos pés de Glórienn - Ato III

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Ato III

Era possível enxergar para fora do templo: casas e outras construções. Contudo, as ruas ficavam impossibilitadas de serem vistas, pois o templo era assentado num elevado, ao topo de um escadaril considerável. Mesmo sem ver, ainda possível ouvir os passos daqueles que se aproximavam. Eram pesados, fortes, e contantes: em marcha. Yarid e Palen enrijeceram os músculos, suas feições tremendo de tensão. Não devia ter qualquer elfo vindo ao templo nesse horário – as honras públicas à Glórienn terminam no entardecer.

O barulho continuou, passos seguidos de passos, reverberando mais alto com a proximidade. Subitamente, foi possível observar rostos despontando através da entrada do templo. Como mastros de navios ao longe no mar iam primeiro aparecendo, assim foram surgindo estes rostos conforme escalavam os degraus. Um esgar de desgosto riscou o rosto de Yarid, e profunda apreensão deitou sobre o de Palen.

Os rostos que subiam as escadas eram de touros, sobre ombros fortes e musculosos masculinos. Minotauros. Trajando elmos, lanças e armaduras: legionários do exército taurino, possivelmente vindos da capital Tapista. Será que ousariam adentrar um templo sagrado? Não podia arriscar. Yarid aproximou as mãos da boca, deixando as mangas longas de seda caírem até seus cotovelos. Rapidamente, rogou uma prece curta e, em seus dedos, uma flecha de raios se formou. Manuseando com destreza o raio flechado, retesou a corda do arco e se preparou. Bastava soltar o punho e uma torrente de raios atingiria aquele batalhão taurino que se aproximava.

Contudo, aquietou-se. Um outro rosto vinha surgindo em meio aos legionários., a qual retesou no arco em punhos. Agudo, discreto e belo. Seus olhos dilataram, suas mãos baixaram o arco. Era uma jovem...humana? Era difícil identificar com exatidão, pois trajava um conjunto de trapos cobrindo quase completamente o corpo. A procissão de legionários prostrou-se de pé, do lado de fora do templo. A elfa permaneceu no meio, sorrindo.

"Este é um templo somente para elfos!", Yarid gritou, com o arco baixado, mas carregando ainda nos dedos a flecha elétrica, "peço que se retirem pacificamente". Seu olhar fixou-se na jovem, procurando alguma resposta.

"Pois que não haja mal entendidos", respondeu – sua voz era melodiosa, e clara, e cadenciada. Então, tirou o rosto do capuz de trapos e revelou as orelhas élficas longas, finas e recurvas, "venho ao templo da deusa em subserviência atenta".

Como assim? Aquelas palavras formaram um dístico – essa elfa era realmente uma seguidora de Glórienn. Yarid arregalou mais ainda os olhos. Virou o rosto rapidamente, encarando Palen, e viu que ele também encontrava-se profundamente intrigado com aquilo. Era tão...estranho, tudo aquilo.

Uma elfa entre legionários do exército minotauro, caminhando escoltada nos inícios da noite? E ainda mais, que tipo de roupagem era aquela? Ela não se mostrava como alguém da nobreza, que poderia ter recursos para contratar tal sorte de escolta. Aquelas roupas eram trapos, robes que mais lembravam um amontoado de panos velhos e sujos. Seu rosto quase totalmente ocultado por um capuz de péssima costura, só agora revelado, mostrava cabelos pálidos e fracos e feios, como os de Palen, presos e amarrados atrás da cabeça. Diante de tamanho horror, mesmo as roupas de folha e conchas de Palen eram dignas de um rei!

E tilintando no pescoço havia um colar...de correntes? Yarid não compreendia, não entendia o que se passava e, sinceramente, não estava a fim de lidar com alguém envolvido com minotauros, mesmo sendo uma elfa.

"Digo perdão para você, que viajou até as portas da glória", disse, formalmente, "mas este é um templo do sangue antigo de Lenórienn, das práticas nobres e arcaicas. Não só apenas elfos podem aqui pisar", Yarid olhou friamente para os enormes legionários, "como também respeitamos os horários sagrados. Após a chegada da noite, todos de fé devem retornar à fortaleza de seus lares e ao refúgio das canções, enquanto cabe aos sacerdotes continuarem a vigília".

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