Glórienn Quebrada 04 - A Joia da Arena

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Glórienn foi sendo arrastada aos tropeços por Tinly para fora da Arena. A cena gerou risada e deboche, com o público gargalhando diante daquela elfa desmilinguida, praticamente nua em seu vestido estrupiado, parecendo mais um boneco de lixo do que a tal majestosa deusa dos elfos. Glórienn, contudo, mal via e mal ouvia qualquer imagem ou som. Sentia, vividamente, seu corpo repleto de vermes, baratas, lacraias, comendo e devorando suas tripas, seu útero, seu estômago. Lembrava de seu mundo, invadido, e de seus elfos, seus lindos e amados elfos. Como morreram diante de si, como fora incapaz de ajudar, de protegê-los. E como os matara.

Não suportando mais, assim que entrou na escuridão dos corredores de pedra internos da Arena, vomitou. Tremendo, chorando, com o rosto úmido, com os cabelos sujos, apenas vomitou.

Tinly tentou com toda força manter Glórienn de pé. Mas ela tremia, e se chacoalhava, e chorava com uma força inacreditável. Não conseguiu resistir, não foi possível impedir: a deusa escorregou de seus dedos e foi com violência ao chão, tombando com um baque surdo. Um horror intenso foi tomando a serviçal que, vendo a deusa se debater, tentou trazê-la de volta à razão:

"Calma Glórienn, calma!", Tinly também tremia, sua voz um chiado histérico, "porra, Glórienn! Para com isso! Para! Olha pra mim, olha pra mim! Deusa, Glórienn! Pelo amor dos elfos, pare, por favor!".

Não adiantava. Glórienn arranhava o próprio ventre, choramingando baixinho sobre monstros e perigos imaginários. Seus lindos cabelos, os quais trabalhara tanto para arrumar, estavam imundos em vômito e sujeira. A maquiagem que preparara com imenso cuidado estava destruída de choro e suor.

Desespero puro cravou-se no peito de Tinly, enquanto a elfa observava aquele teatro do grotesco. Mas logo, e sem demora, uma onda de torpor foi se espalhando, anestesiando seus sentidos, embotando sua já enfraquecida empatia. E, tão simplesmente como começara, toda aquela emoção pesada foi banalmente substituída por apatia.

Ficou um momentinho de pé, olhando. Ali, sua deusa, sua mais amada deusa, sua única deusa: o refugo divino que o mundo inteiro rejeitou, se debatendo nos excrementos de seu próprio passado. Uma cena deplorável, sim? Nem tanto. Uma coisa Tinly tinha aprendido com Glórienn nesses anos que estava como sua cuidadora: aprendeu que não adiantava se importar. Por maior que seja seu esforço, seu amor e sua vontade, em última instância o universo é frio, e os deuses acima dos deuses, aqueles que escrevem o destino, são distantes e desinteressados.

Com cuidado quase cirúrgico, como um abutre que observa os estertores de morte de sua presa, Tinly se agachou. Ali, do ladinho da deusa, quietinha, atenta e silenciosa, ficou, observando o espetáculo. Glórienn se debatia cataplética, seus olhos dourados perdidos no vazio, como se sua mente escorresse em fuga, desaparecida na névoa de um pesadelo etéreo e eterno. Seu corpo – magro, ósseo, frágil – estava mais enfraquecido do que nunca. Uma piscina de lodo e nojo envolvia e empapava toda a forma da deusa.

"Eu já vi mortos-vivos em situação menos deplorável do que a tua", comentou Tinly. Sua voz tinha a monotonia da certeza, e a frieza de um atestado de óbito.

Talvez Glórienn havia percebido as palavras? Pois seus olhos desfocados viraram-se para fitar a cuidadora. Aquele olhar era enervante: as pupilas mexiam frenéticas, incapazes de parar, incapazes de sentir paz. Estava em dor, estava com medo, estava sozinha. Mexendo e remexendo os olhos, nunca conseguindo parar em um ponto.

Tinly balançou a cabeça, como se visse uma caricatura. Aquilo tinha que ser uma sátira de mau-gosto. Estava presa num pesadelo, ou num mundo ilusório das fadas, ou perdida num abismo infernal. Aquilo não podia acontecer, aquela não podia ser Glórienn. Impossível ser essa a deusa perfeita dos elfos, sempre linda e sempre bela.

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