Glórienn Quebrada 03 - O Beijo da Tormenta

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Nas primeiras vezes foi mais difícil. Os olhares arremessados sobre ela alisavam seu corpo tanto quanto o esmurravam. A vergonha e humilhação que sentiu eram tão gigantescas que achou que morreria de puro desgosto. Hoje em dia, não sentia mais qualquer emoção. Nem vergonha, nem raiva. Apenas sorria, um sorriso esticado e forçado, acenando para os milhares de rostos grosseiros que lhe assobiavam e gritavam dos assentos do coliseu máximo de Tauron.

Era sempre o mesmo, mudando apenas um ou outro detalhe. Era levada em vestidos magníficos para a Arena e convidada a descer. Lá embaixo, no campo, enquanto caminhava pela Arena, uma narração bombástica contava alguma história exagerada. A plateia gritava, extasiada. Então, dos portões da Arena, uma ameaça aparecia: monstros terríveis, cuspindo fogo e ácido; enormes tufões de puro fogo; tapetes de insetos repletos de doenças e veneno. Desejando destruição, o perigo avançava, correndo pelo campo até lançar-se diretamente sobre Glórienn. A deusa, contudo, não era machucada – apenas seu vestido que, teatralmente, era destruído. O cataclismo de chamas queimava o pano até sobrarem tiras; os dentes ferozes do monstro rasgavam até formar um insinuante decote. Não importa qual fosse a ameaça, o ponto final era o mesmo: o vestido arruinado e Glórienn, seminua, no meio da Arena, gritando diante dos olhos de todos:

"Algum herói valoroso para me salvar?".

E depois disso era içada num poderoso pilar, sendo sustentada à altura do assento de Tauron, posta como um prêmio no alto de um pedestal. E o deus da força, com bravado, dizia:

"A dama indefesa precisa de ajuda! Vamos, bravos heróis, quem tem coragem de enfrentar o desafio?".

Era sempre assim, com um ou outro detalhe de diferença. Hoje, o perigo era uma hidra titânica de vinte e sete cabeças. O narrador berrou quão perigosa era a criatura, quantas vidas valorosas foram ceifadas, e como a graça e beleza da pobre deusa dos elfos seria alvo de suas mordazes mandíbulas. A hidra avançou, os dentes em fúria tentando engolir Glórienn por inteira.

'Vamos', pensou a deusa, os olhos dourados, frios, sem vida, 'você consegue. Me mata'.

Mas, novamente, as magias de proteção impediram isso – apenas seu lindo e belo vestido foi morto. Pois a criatura desse dia era particularmente feroz. Dessa vez, não apenas houve rasgos, mas quase que uma total destruição. Somente alguns trapos permaneceram tapando sua cintura e coxas, enquanto um dos seios, desnudo, ficava aparente. Quem sabe isso pudesse deixá-la envergonhada? Quem sabe este seria mais um novo abismo de humilhação? Não, a deusa nada sentia. Pois esta não era a primeira vez que isto acontecia. Nem seria a última. Sem emoção, outra vez mais, bradou:

"Algum herói valoroso para me salvar?".

Seu corpo foi erguido até a altura do assento de Tauron. O deus, bonachão, comentou:

"Vemos que o monstro está bastante feroz hoje", riu o deus, fazendo piada do seio exposto de Glórienn, "está querendo me imitar, querida?" e apontou para o próprio peitoral desnudo, ondulando de músculos.

A Arena inteira gargalhou, entre comentários indecorosos, piadinhas e repugnantes xingamentos eróticos. Quando deu por satisfeito, Tauron bradou sua frase habitual:

"A dama indefesa precisa de ajuda! Vamos, bravos heróis, quem tem coragem de enfrentar o desafio?".

E com isso, começava o morticínio central. Guerreiros lendários adentravam o campo de batalha, com armaduras reluzentes e armas fantásticas, apenas para serem massacrados. Sangue, tripas e gritos eram tudo o que restava daqueles rostos orgulhosos. Exatamente como aconteceu com ela, Glórienn, e seus filhos. Sangue e morte, e dor, e tripas. De novo e de novo. Sim, a deusa conseguiu se acostumar com a humilhação, com os xingamentos, com os comentários. Mas o cheiro de sangue e morte sempre a deixavam enjoada. Mas precisava resistir à ânsia para sorrir, acenar e dizer, sempre que um novo guerreiro entrava:

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