Tiligien 03 - Quando os Minotauros eram Nobres

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 Tiligiennelen terminava de escrever as últimas sentenças no quadro de cerâmica usando a ponta do bastonete. À sua volta, os alunos da Universidade Livre de Arton anotavam o que podiam em seus cadernos, sentados nos bancos de pedra e madeira do pequeno anfiteatro de ensino.

"Com isso temos uma lista das falácias argumentativas, pelo menos as mais comuns", concluiu a professora. Jogando a vista ao céu, percebia o início do crepúsculo, com a luminosidade gradativamente reduzindo. "Bom, turma, na próxima aula continuamos os estudos acerca da lógica discursiva. Agora, vou liberar vocês para irem assistir o culto a Tenebra. Para quem quiser pedir uma bênção à deusa da noite, lembrem-se que bijuterias, se forem pedras de cores escuras, são bem-vindas. Há muita informação falsa dizendo que Tenebra amaldiçoa quem não entregar a ela pedras preciosas verdadeiras. A deusa é bastante compreensiva, não se deixem levar sobre o discurso difamatório sobre mortos-vivos".

A professora elfa então fez um gesto com o bastonete mágico; as diversas sentenças escritas no quadro de cerâmica, em suas múltiplas e variadas cores, foram então sumindo, como pequenos pigmentos coloridos. No meio do processo, a professora deu por si:

"Gente, tinha mais alguém copiando? Esqueci de perguntar".

Viu que um dos alunos estava com a mão levantada: um robusto e jovem minotauro, com o olhar baixo.

"Sempronius, me perdoa. Espera um pouco que eu vou dar um refez e fazer as sentenças reaparecerem".

Mas o jovem foi pego de surpresa com aquilo e disse, "não, professora, não é isso. Eu já copiei".

"Ah, que ótimo. Pelo menos não fui insensível", Tiligien abriu um sorriso, "mas então, por que da mão levantada? Está com alguma dúvida relacionada ao assunto?".

"Não...não sobre o assunto. Na verdade, eu tinha uma...não, deixa para lá".

O minotauro rapidamente tentou desconversar o assunto, reunindo seu material. A professora coçou os cabelos prateados.

"Sempronius, aqui é a Universidade Livre de Arton. Nosso dever como estudiosos e pesquisadores é perguntar. Não precisa ficar envergonhado – toda pergunta é válida. Por favor, pergunte".

"Professora...o que a senhoria disse, lá na palestra aberta, por acaso é verdade?".

Nesse momento, muitos dos alunos que já estavam de saída pararam. Seus olhares, ávidos, voltaram-se para Tiligiennelen. O sorriso da elfa lentamente desapareceu para uma expressão apreensiva.

"Sobre o que exatamente você está com dúvida, Sempronius?".

"Sobre...o que você falou, sabe? Sobre os minotauros...e sobre o deus Tauron ser uma espécie de usurpador".

Sempronius sentiu o peso forte do julgamento no olhar dos colegas. Defensivamente, ele se levantou, tomando nas mãos um símbolo religioso.

"Eu sou nascido e criado em Valkaria, e minha fé é para a deusa do conhecimento, Tanna-toh. Mas meu pai, um minotauro que veio de Tapista, sempre me falou da honra dos minotauros, e do valor dos preceitos do deus Tauron. Então, eu achei estranho quando você começou a escrever denúncias sobre Tapista. E depois, quando fui ver você no debate, tudo que você falou vai contra o que me foi contado durante a vida".

O jovem minotauro ergueu o olhar em direção ao da professora. Um tumulto de emoções transparecia: uma forte timidez, confrontada com uma curiosidade poderosa. E, no fundo de tudo, talvez rancor? Despeito? Difícil dizer.

"Tauron diz que os fortes devem proteger os fracos, e os fracos devem servir os fortes. O que há de errado nisso?", a voz do jovem voltou a soar, dessa vez mais segura, mais desafiante, "o mundo seria um lugar melhor se as coisas fossem assim, não?".

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