03 | Escola

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Ele já sentia o sabor do sangue na boca ao se levantar. Tinha mordido a parte de dentro do lábio ao cair no chão, e era nisso que se concentrava agora ao ficar de pé, o sabor estranho e metálico que o fazia querer cuspir imediatamente, como se tivesse comido algo que não era comida.

Em vez disso, porém, Conor engoliu o sangue. Harry e seu bando teria. ficado em polvorosa se soubessem que ele estava sangrando. Ouvia Anton e Sully rindo atrás dele, sabia exatamente qual era a expressão de Harry, por mais que não pudesse vê-lo. Talvez pudesse até mesmo adivinhar o que Harry diria em seguida naquela voz calma e alegre que parecia imitar todos os adultos que você nunca vai querer conhecer na vida.

— Cuidado para não tropeçar — disse Harry. — Você pode cair.

Sim, ele tinha razão.

Nem sempre foi assim.

Harry era o Loirinho Maravilha, o preferido dos professores em todos os anos.

O primeiro aluno a levantar a mão, o jogador mais rápido no campo de futebol, mas, fora isso, só mais um
menino na turma de Conor. Eles nunca foram exatamente amigos —
Harry não tinha amigos de verdade, só seguidores; Anton e Sully basicamente ficavam atrás dele e riam
de tudo o que ele fazia —, mas tampouco eram inimigos. Conor até era capaz de se surpreender se Harry
soubesse seu nome.

Em algum momento do ano passado, contudo, algo mudou. Harry começara a notar Conor, a procurar o
olhar dele, a encará-lo com um divertimento distante.

Essa mudança não se deu depois que tudo começou a acontecer com a mãe de Conor.

Não, foi mais tarde, quando Conor passou a ter o pesadelo, o pesadelo de verdade, não com aquela árvore estúpida, o pesadelo com os gritos e as quedas, o pesadelo do qual ele jamais deixaria outra pessoa ficar sabendo. Quando Conor começou a ter aquele pesadelo, foi aí que Harry o notou, como se uma marca secreta tivesse sido colocada nele e só Harry pudesse vê-la.

A marca que atraía Harry como um ímã atrai o ferro.

No primeiro dia do novo ano escolar, Harry fez com que Conor tropeçasse, derrubando-o na rua.

E foi assim que tudo começou.

E é assim que tudo continua.

Conor continuou de costas para as risadas de Anton e Sully. Passou a língua pela parte de dentro do lábio
para ver o tamanho do estrago da mordida. Nada grave. Ele sobreviveria, se conseguisse entrar na escola sem que algo mais acontecesse.

Mas algo mais aconteceu.

— Deixe-o em paz! — ouviu Conor, estranhando o som.Virou-se e viu Lily Andrews enfiando sua cara furiosa na de Harry, o que só fez com que Anton e Sully rissem ainda mais.

— Seu poodle está aqui para salvá-lo — ironizou Anton.

— Só quero que seja uma luta justa — atacou Lily, as mechas balançando como as de um poodle, por mais que ela as prendesse com força atrás da cabeça.

— Você está sangrando, O’Malley — comentou Harry, ignorando calmamente Lily.

Conor levou a mão à boca tarde demais para conter uma gota de sangue escorrendo pelo canto.

— Ele vai ter que pedir um beijinho da mãe careca para sarar! — gralhou Sully.

O estômago de Conor se contraiu até virar uma bola de fogo, como um solzinho queimando por dentro, mas, antes que pudesse reagir, Lily o fez. Com um grito de revolta, ela empurrou um aparvalhado Sully nos arbustos, derrubando-o.

— Lillian Andrews! — soou a voz da desgraça do outro lado do jardim.

Todos paralisaram imediatamente. Até mesmo Sully parou de se levantar. A srta. Kwan, a supervisora, vinha enfurecida na direção deles, a carranca mais assustadora impressa em seu rosto como uma cicatriz.

— Eles que começaram, senhorita — disse Lily, já se defendendo.

— Não quero ouvir nada disso — falou a srta. Kwan. — Você está bem, Sullivan?

Sully olhou rapidamente para Lily, e então uma expressão de dor apareceu em seu rosto.

— Não sei, senhorita — respondeu ele. — Talvez eu precise ir para casa.

— Não exagere — disse a srta. Kwan. — Para minha sala, Lillian.

— Mas, senhorita, eles estavam…

— Agora, Lillian.

— Eles estavam rindo da mãe de Conor!

Isso fez com que todos parassem novamente, e o sol incandescente no estômago de Conor ganhou força, ficando prestes a comê-lo vivo (e, em sua mente, ele teve um vislumbre do pesadelo, do vento uivante, da escuridão em chamas).

Afastou-se.

— Isso é verdade, Conor? — perguntou a srta. Kwan, sua expressão séria como um sermão.

O sangue na língua de Conor o fazia querer vomitar. Ele olhou para Harry e seus comparsas. Anton e Sully pareciam preocupados, mas Harry só ficou olhando para ele, calmo e inabalado, como se estivesse verdadeiramente curioso para ouvir o que Conor tinha a dizer.

— Não, senhorita, não é verdade — respondeu Conor, engolindo o sangue. — Só caí.

Eles estavam me ajudando a levantar.

Lily fez uma cara de surpresa e mágoa. Ficou boquiaberta, mas não disse nada.

— Entrem nas suas salas — ordenou a srta. Kwan. — Menos você, Lillian.

Lily continuou olhando para Conor enquanto a srta. Kwan a afastava, mas Conor deu as costas para ela.

Para dar de cara com Harry estendendo-lhe a mochila.

— Muito bem, O’Malley — falou Harry.

Conor não disse nada, só pegou rispidamente a mochila e entrou na escola.

Sete Minutos Depois Da Meia-Noite [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora