06 | Avó

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— Você está sendo um bom menino para sua mãe?

A avó de Conor beliscou suas bochechas com tanta força que ele jurou que ela tiraria seu sangue.

— Ele tem sido muito bom, mãe — interveio a mãe de Conor, piscando para ele por trás da avó, o lenço azul em volta da cabeça. — Então não é preciso lhe causar muita dor.

— Ah, que bobagem! — exclamou a avó, dando-lhe em cada bochecha dois tapinhas que realmente doeram bastante. — Por que você não vai colocar água na chaleira para mim e para sua mãe? — falou ela, dando a entender que não era uma sugestão.

Enquanto Conor saía feliz do ambiente, a avó colocou as mãos na cintura e olhou para a filha.

— E então, querida. — Ele a ouviu dizer ao entrar na cozinha. — O que vamos fazer com você?

A avó de Conor não era como as outras avós. Ele vira a avó de Lily várias vezes, e ela era uma avó normal: enrugadinha e sorridente, com cabelos brancos e tudo o mais. Ela preparava refeições com três porções distintas de legumes cozidos para todos e ficava rindo num cantinho durante a festa de Natal com
uma tacinha de vinho e uma coroa de papel na cabeça.

Já a avó de Conor usava calças feitas sob medida, pintava os cabelos para esconder os fios grisalhos e dizia coisas que não faziam nenhum sentido, como “os sessenta são os novos cinquenta” ou “carros clássicos precisam de um polimento mais caro”. O que ela queria dizer com isso? Ela mandava cartões
de aniversário por e-mail, discutia com os garçons por causa do vinho e tinha um emprego. A casa dela era ainda pior, cheia de coisas velhas e caras que não se podiam tocar, como um relógio que nem a faxineira podia limpar. Aliás, outra coisa: que tipo de avó tinha faxineira?

— Dois torrões de açúcar, sem leite — gritou ela da sala, enquanto Conor preparava o chá. Como se ela não tivesse dito a mesma coisa das últimas três mil vezes que os visitara.

— Obrigada, meu menino — agradeceu sua avó quando Conor chegou com o chá.

— Obrigada, querido — disse sua mãe, sorrindo para ele sem que a avó visse, ainda o convidando para se juntar a ela contra a própria mãe. Ele não conseguiu se segurar e sorriu de volta.

— E como foi a escola hoje, meu jovem? — perguntou a avó.

— Tudo bem — respondeu Conor.

Não tinha sido tudo bem. Lily ainda estava com raiva, Harry pôs uma caneta sem tampa no fundo da mochila de Conor e a srta. Kwan o chamou para perguntar, com uma cara séria, “Como Ele Estava Aguentando as Pontas”.

— Sabe de uma coisa? — disse sua avó, deixando a xícara de lado. — Perto de minha casa há uma maravilhosa escola particular só para rapazes.

Dei uma olhada e os padrões acadêmicos são bem elevados, muito mais elevados que os da sua escola, tenho certeza. Conor a encarou. Porque esse era outro motivo para ele não gostar das visitas da avó. O que ela tinha acabado de dizer podia ser um sinal de atitude esnobe para com a escola local dele. Ou podia ser mais. Podia ser um indício do futuro.
Do depois.

Conor sentiu a raiva subindo-lhe do fundo do estômago…

— Ele está feliz onde está, mamãe — disse sua mãe, rapidamente, lançando-lhe outro olhar. — Não é, Conor?

Conor rangeu os dentes e respondeu:

— Estou muito bem onde estou.

O jantar foi comida chinesa entregue em casa. A avó de Conor “não sabia cozinhar direito”. Essa era a verdade. Sempre que ele a visitava, sua geladeira tinha pouco mais do que um ovo e metade de um abacate. Sua mãe ainda estava cansada demais para cozinhar, e, ainda que Conor pudesse preparar algo, essa possibilidade aparentemente não passou pela cabeça da avó.

Restou-lhe limpar a sujeira, e ele enfiava as embalagens no mesmo saco de frutinhas venenosas escondido no fundo da lata de lixo quando sua avó surgiu por detrás.

— Você e eu precisamos ter uma conversa, meu menino — anunciou ela, impedindo a passagem dele pela porta.

— Tenho nome, sabia? — lembrou Conor, fechando a lata de lixo. — E não é meu menino.

— Mais respeito! — disse sua avó. Ela ficou ali, de braços cruzados. Ele a encarou por um instante. Ela o encarou de volta. Então ela foi direta: — Não sou sua inimiga, Conor — declarou. — Estou aqui para ajudar sua mãe.

— Sei por que você está aqui — retrucou ele, pegando um pano de prato para limpar a bancada já limpa.

Sua avó se aproximou e tirou o pano das mãos dele.

— Estou aqui porque meninos de treze anos não deveriam estar limpando bancadas sem que isso fosse pedido.

Ele a encarou de volta.

— Você vai limpar?

— Conor…

— Vá embora — falou ele. — Não precisamos de você aqui!

— Conor — disse ela com mais firmeza. — Precisamos conversar sobre o que vai acontecer.

— Não, não precisamos. Ela sempre fica enjoada depois dos tratamentos. Ela vai
melhorar amanhã. — Fitou-a, furioso. — E então você pode voltar para casa.

A avó olhou para o teto e suspirou. Então levou as mãos ao rosto e ele se surpreendeu ao ver que ela estava com raiva, raiva de verdade.

Mas talvez não dele.

Ele pegou outro pano e começou a limpar de novo, só para não ter de olhar para a avó.

Limpou até a pia e olhou pela janela.

O monstro estava no jardim, grande como o sol poente.

Observando-o.

— Ela vai parecer melhor amanhã — disse sua avó, a voz rouca. — Mas não vai estar, Conor.

Bom, isso estava errado. Ele virou-se novamente para a avó.

— Ela está melhorando com os tratamentos — emendou. — Por isso é que ela se submete a eles.

A avó só ficou olhando para ele por um tempo, como se estivesse pensando em algo.

— Você precisa conversar com ela sobre isso, Conor — disse, finalmente. Depois acrescentou, como se falasse consigo mesma: — Ela precisa conversar sobre isso com você.

— Conversar comigo sobre o quê? — perguntou Conor.

A avó cruzou os braços.

— Sobre você vir morar comigo.

Conor fez uma cara feia e, por um instante, toda a cozinha pareceu ficar mais escura, por um instante pareceu que a casa inteira tremia, por um instante foi como se ele pudesse se abaixar e arrancar o piso da terra escura.

Ele fechou os olhos com força. Sua avó ainda esperava por uma resposta.

— Não vou morar com você — declarou ele.

— Conor…

— Nunca vou morar com você.

— Sim, você vai — retrucou ela. — Sinto muito, mas vai. E sei que ela está tentando proteger você, mas acho que é muito importante que saiba que, quando isso tudo terminar, você terá uma casa, meu menino. Com alguém que vai amá-lo e cuidar de você.

— Quando isso tudo terminar — repetiu Conor, com ódio em sua voz —, você vai embora e ficaremos bem.

— Conor…

E então os dois ouviram da sala:

— Mamãe? Mamãe?

A avó saiu tão rápido da cozinha que Conor deu um salto, surpreso. Ele podia ouvir sua mãe tossindo e sua avó dizendo:

— Está tudo bem, querida, tudo bem, shh, shh, shh.

Ele olhou pela janela da cozinha no caminho para a sala.

O monstro tinha desaparecido.

A avó estava no sofá, abraçada à mãe dele, esfregando-lhe as costas enquanto ela vomitava num baldezinho que mantinham ali por perto, para o caso de necessidade.

A avó olhou para ele, mas a expressão dela era séria e totalmente incompreensível.

Sete Minutos Depois Da Meia-Noite [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora