11 | A conversinha

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Depois da escola, sua avó estava esperando por ele no sofá.

— Precisamos ter uma conversinha — disse ela antes que ele fechasse a porta, e havia algo no dela olhar
que o fez parar. Um olhar que lhe deu dor de estômago.

— O que há de errado? — perguntou ele.

Sua avó respirou fundo pelo nariz e ficou olhando pela janela, como se estivesse se recuperando. Ela
parecia uma ave de rapina. Um falcão capaz de caçar uma ovelha.

— Sua mãe tem que voltar para o hospital — falou ela. — Você vai ficar comigo por
uns dias. Você precisa fazer a mala.

Conor não se mexeu.

— O que há de errado com ela?
A avó arregalou os olhos por um segundo, como se não acreditasse que ele estava fazendo uma pergunta
tão absurdamente estúpida. Então ela demonstrou pena.
— Ela está com muita dor — explicou. — Mais do que deveria.
— Ela tem remédio para a dor… — começou Conor, mas sua avó bateu as mãos, só uma vez, mas alto,
alto o bastante para detê-lo.
— Não está funcionando, Conor — retrucou ela, rispidamente, e parecia que ela estava olhando por
sobre a cabeça dele. — Não está funcionando.
— O que não está funcionando?
Sua avó bateu as mãos mais algumas vezes, mais baixo, como se as estivesse usando numa experiência ou
coisa assim, depois olhou pela janela novamente, o tempo todo mantendo a boca bem fechada. Ela
finalmente se levantou, concentrando-se em alisar o vestido.
— Sua mãe está lá em cima — avisou. — Ela quer falar com você.
— Mas…
— Seu pai chega no domingo.
Ele se endireitou.
— O papai está vindo?
— Tenho de fazer algumas ligações — disse ela, passando por ele e indo até a porta, pegando seu
celular.
— Por que o papai vem? — perguntou ele.
— Sua mãe está esperando você — desconversou a avó, fechando a porta da frente atrás de si.
Conor não teve nem chance de soltar a mochila.
O pai dele estava vindo. O pai dele. Dos Estados Unidos. Que não vinha desde o Natal do ano passado.
Cuja nova esposa sempre parecia sofrer emergências de última hora que o impediam de fazer visitas mais
frequentes, principalmente agora que o bebê nasceu. Seu pai, que Conor se acostumara a não ter por perto
à medida que as viagens diminuíam de frequência e os telefonemas se tornavam cada vez mais esparsos.
Seu pai estava vindo.
Por quê?
— Conor? — ele ouviu sua mãe chamar.
Ela não estava no quarto dela. Estava no quarto dele, deitada na cama, sobre o edredom, olhando pela
janela para o terreno da igreja na colina.
E para o teixo.
Que era apenas um teixo.
— Ei, querido — disse ela, sorrindo para ele de onde estava deitada, mas, pelas rugas ao redor dos
olhos da mãe, Conor via que ela estava com dor, uma dor que ele só a vira sentir uma vez. Ela teve de ir
ao hospital na ocasião e lá ficou por quase duas semanas. Foi na última Páscoa, e as semanas na casa de
sua avó quase foram a morte para os dois.
— Qual é o problema? — perguntou ele. — Por que você vai voltar ao hospital?
Ela bateu no edredom para que ele fosse se sentar ao lado dela.
Conor ficou onde estava.
— O que há de errado?
Ela ainda sorria, mas era um sorriso mais contido agora, e ela passava os dedos pelo bordado do
edredom, ursinhos para os quais Conor ficou velho demais há anos. Ela estava com o lenço rosa
amarrado na cabeça, mas apenas de leve, e Conor conseguia ver sua calva branca por baixo.
Ele achava que sua mãe nunca nem sequer fingiu experimentar uma das velhas perucas
da avó dele.
— Vou ficar bem — disse ela. — Realmente vou.
— Vai mesmo? — perguntou ele.
— Já passamos por isso antes, Conor — lembrou ela. — Então não se preocupe. Já me
senti muito mal e fui ao hospital e eles cuidaram de tudo. É o que vai acontecer desta vez.
— Ela deu um novo tapinha no edredom. — Por que você não vem se sentar ao lado da
sua mãe cansada?
Conor engoliu em seco, mas o sorriso dela era mais leve e — dava para ver — sincero.
Ele se aproximou e se sentou ao lado dela, de frente para a janela. Ela passou a mão pelos cabelos dele,
tirando-os dos olhos, e ele percebeu que seus braços estavam magros demais, quase como se fossem
apenas pele e osso.
— Por que o papai vem para cá? — perguntou ele.
Sua mãe fez uma pausa e pôs a mão novamente no colo.
— Faz algum tempo que você o viu pela última vez. Não está empolgado?
— A vovó não parecia feliz.
A mãe bufou.
— Bom, você sabe o que ela pensa sobre o seu pai. Não dê ouvidos a ela. Aproveite a visita dele.
Por um instante, ficaram sentados em silêncio.
— Tem mais uma coisa — disse Conor, finalmente. — Não tem?
Ele sentiu sua mãe se sentar um pouco mais ereta sobre o travesseiro.
— Olhe para mim, filho — disse ela, carinhosamente.
Ele virou o rosto para olhar para a mãe, mas pagaria um milhão de libras para não ter de fazer isso.
— O último tratamento não está fazendo o que deveria — disse ela. — Isso significa que eles terão de
fazer ajustes, tentar outra coisa.
— É só isso? — perguntou Conor.
Ela fez que sim.
— Só isso. Tem muitas outras coisas para eles fazerem. Não se preocupe.
— Tem certeza?
— Tenho certeza.
— Porque — e aqui Conor parou por um segundo e ficou olhando para o chão. —
Porque você pode me dizer a verdade, sabia?
E então ele sentiu os braços dela ao redor dele, os braços magros, magérrimos, antes tão macios quando
ela o abraçava. Ela não disse nada, só ficou abraçada ao filho. Ele voltou a olhar pela janela e, depois de
um tempo, sua mãe se virou para olhar também.
— Aquilo é um teixo, sabia? — comentou ela, finalmente.
Conor revirou os olhos, mas não de um jeito ruim.
— Sim, mamãe, você me disse mais de cem vezes.
— Cuide dele enquanto eu estiver longe, sim? — pediu ela. — Certifique-se de que ele ainda esteja lá
quando eu voltar.
E Conor soube que essa era a forma de ela lhe dizer que voltaria, então ele só fez que sim com a cabeça e
os dois ficaram olhando para a árvore.
Que permanecia uma árvore, por mais que eles ficassem olhando.

Sete Minutos Depois Da Meia-Noite [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora