02 | Café da manhã

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— Mamãe? — perguntou Conor, entrando na cozinha. Ele sabia que ela não estaria ali (Conor não estava ouvindo o apito da chaleira, e a mãe sempre colocava água para ferver pela manhã), mas ultimamente se pegava perguntando muito por ela ao entrar nos cômodos da casa. Conor não queria assustá-la, no caso de ela ter adormecido onde não tivesse planejado.

Mas sua mãe não se encontrava na cozinha. O que significava que ela provavelmente ainda estava na cama. O que significava que Conor teria de preparar o café sozinho, algo que ele se acostumou a fazer. Tudo bem. Ótimo , na verdade, especialmente esta manhã.

Ele foi correndo até a lata de lixo e enfiou quase até o fundo o saco que carregava, cobrindo-o com outros lixos para que ele não ficasse tão evidente.

— Pronto — disse ele para ninguém, parando para respirar por um segundo. Então fez que sim com a cabeça e emendou: — Agora, o café da manhã.

Um pouco de pão na torradeira, um pouco de cereais na tigela, um pouco de suco no copo e, pronto, ele já podia se sentar à mesinha da cozinha para comer. Sua mãe tinha o próprio pão e cereais comprados numa loja natureba da cidade, e Conor agradecia por não precisar comer aquilo também. O sabor era tão desagradável quanto a aparência.

Ele consultou o relógio. Vinte e cinco minutos antes que precisasse sair. Ele já estava com o uniforme da escola, a mochila preparada à espera dele junto à porta. Ele tinha feito tudo sozinho.

Conor se sentou de costas para a janela da cozinha, aquela sobre a pia que dava para o jardinzinho dos fundos, diante do trilho do trem e da igreja com seu cemitério.

E o teixo.

Conor comeu outra colherada de cereal. O barulho da mastigação era o único som na casa toda.

Foi um sonho. O que mais poderia ter sido?

Pela manhã, quando abriu os olhos, a primeira coisa que olhou foi a janela. Ela ainda estava ali, claro, sem nenhum estrago, sem nenhuma abertura para o jardim. Claro que foi um sonho. Só um bebê pensaria que aquilo realmente aconteceu. Só um bebê acreditaria que uma árvore — sério, uma árvore — desceu a colina e atacou a casa.

Conor riu um pouco ao pensar naquilo, na estupidez da ideia, e então saiu da cama.

E sentiu um rangido sob seus pés.

Cada centímetro do piso do quarto estava coberto por folhinhas afiadas de teixo.

Ele pôs outra colherada de cereal na boca, sem olhar para a lata de lixo, onde havia colocado o saco plástico cheio das folhas recolhidas do quarto pela manhã.

Foi uma noite de ventos fortes. O vento claramente soprou as folhas por sua janela aberta.

Claramente.

Conor terminou de comer o cereal e a torrada, bebeu o restante do suco e depois passou uma água nas louças, colocando-as na máquina. Ainda vinte minutos para sair. Ele achou melhor esvaziar a lata de lixo — menos arriscado assim — e levou o saco até a lixeira maior diante da casa. Como já estava fazendo aquilo mesmo, pegou o lixo reciclável e o pôs para fora também. Depois apanhou vários lençóis e os colocou na máquina de lavar, que ele penduraria no varal ao voltar da escola.

Retornou à cozinha e olhou para o relógio.

Ainda dez minutos para sair.

Ainda nenhum sinal de…

— Conor? — ouviu ele do alto da escada.

Ele suspirou longamente ao perceber que estava prendendo a respiração.

— Você tomou o café da manhã? — perguntou a mãe, apoiando-se na porta da cozinha.

— Sim, mamãe — respondeu Conor, a mochila na mão.

— Tem certeza?

— Sim, mamãe.

Ela olhou com ar de dúvida para o filho. Conor revirou os olhos.

— Torrada, cereal e suco — disse ele. — Coloquei a louça na máquina.

— E tirou o lixo — completou a mãe, baixinho, observando que ele deixara a cozinha bem limpa.

— Tem roupa na máquina também — falou Conor.

— Você é um bom menino — disse ela, e, apesar de sua mãe estar sorrindo, ele também percebia tristeza na voz dela. — Desculpe por não ter acordado.

— Tudo bem.

— É por causa desta nova sessão de…

— Está tudo bem — interrompeu Conor.

Ela parou, mas ainda sorria para o filho. Ela não tinha prendido o lenço na cabeça, e sua careca parecia macia e frágil sob a luz matinal, como a de um bebê. Conor sentiu uma pontada no estômago com essa visão.

— Foi você que eu ouvi à noite? — perguntou ela.

Conor ficou paralisado.

— Quando?

— Logo depois da meia-noite, acho — disse ela, ligando a chaleira. — Achei que estava sonhando, mas posso jurar que ouvi sua voz.

— Provavelmente eu falava dormindo — disse Conor.

— Provavelmente — concordou a mãe. Ela pegou uma caneca do armário perto da geladeira. — Esqueci
de lhe dizer — continuou, calmamente. — Sua avó chega amanhã.

Conor encolheu os ombros.

— Ah, mamãe.

— Eu sei — disse ela. — Mas você não deveria fazer seu café todas as manhãs.

— Todas as manhãs? — repetiu Conor. — Quanto tempo ela ficará aqui?

— Conor…

— Não precisamos dela aqui…

— Você sabe como eu fico neste ponto dos tratamentos, Conor.

— Tudo tem dado certo até aqui…

— Conor — interrompeu a mãe, tão ríspida que aquilo pareceu surpreender os dois.

Fez-se um longo silêncio. E então ela sorriu novamente, parecendo muito, muito cansada mesmo. — Farei o possível para que essa situação seja breve, tá? — disse ela. — Sei que você não gosta de abrir mão do seu quarto, e sinto muito. Não pediria a ela se não precisasse, tudo bem?

Conor tinha de dormir no sofá sempre que sua avó os visitava. Mas não era isso. Ele não gostava da forma como sua avó falava com ele, como se fosse um funcionário sendo avaliado. Uma avaliação na qual ele se daria mal. Além disso, eles sempre conseguiram resolver as coisas até aqui, só os dois, por mais que os tratamentos a fizessem se sentir mal (era o preço a pagar pela melhora dela), então por
quê…?

— Só algumas noites — continuou a mãe, como se pudesse ler os pensamentos dele. — Não se preocupe, sim?

Ele ficou mexendo no zíper da mochila, sem dizer nada, tentando pensar em outras coisas. E então se
lembrou do saco de folhas que pusera na lata de lixo.

Talvez a vovó dormir em seu quarto não fosse a pior coisa que pudesse acontecer.

— Aí está o sorriso que tanto amo — comentou a mãe, pegando a chaleira que apitava.

Então ela disse fingindo pavor: — Ela vai me trazer algumas das velhas perucas dela, acredita? — Ela passou a mão livre na careca. — Vou parecer uma Margaret Thatcher zumbi.

— Vou me atrasar — falou Conor, olhando o relógio.

— Certo, querido — disse ela, aproximando-se para beijá-lo na testa. — Você é um bom menino — repetiu. — Queria que você não tivesse de ser tão bonzinho.

Ao se dirigir para a escola, ele a viu levar o chá até a janela sobre a pia da cozinha e, ao abrir a porta da frente para sair, ouviu-a dizer:

— Lá está aquele velho teixo. — Como se falasse consigo mesma.

Sete Minutos Depois Da Meia-Noite [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora