24 | Castigo

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— Nem sei o que dizer. — A diretora bufou alto e fez que não com a cabeça. — O que posso lhe dizer,
Conor?
Conor manteve os olhos no tapete, que tinha a cor de vinho derramado. A srta. Kwan
também estava lá, sentada atrás dele, como se ele pudesse tentar fugir. Conor mais sentiu do que viu a
diretora se inclinar para a frente. Ela era mais velha do que a srta. Kwan. E, de certa forma, duas vezes
mais assustadora.
— Você o pôs no hospital, Conor — disse ela. — Você quebrou o braço dele, o nariz, e aposto como os
dentes dele jamais voltarão a ser tão belos novamente. Os pais dele estão ameaçando processar a escola
e prestar queixa contra você.
Ao ouvir isso, Conor levantou a cabeça.
— Eles estão um pouco histéricos, Conor — acrescentou a srta. Kwan, por trás. — E
não os culpo. Mas expliquei o que estava acontecendo. Que ele estava provocando você e que suas
circunstâncias eram… especiais.
Conor sentiu uma pontada de dor ao ouvir aquilo.
— Na verdade, foi a parte do bullying que os assustou — comentou a srta. Kwan com desprezo na voz.
— Aparentemente, hoje em dia, não caem bem no currículo de futuros universitários tais acusações de
bullying.
— Mas não é por isso que estamos aqui! — emendou a diretora, tão alto que Conor e a srta. Kwan se
assustaram. — Não consigo nem entender direito o que aconteceu. — Ela consultou alguns papéis na
mesa: relatórios de professores e de outros alunos, supunha Conor. — Não sei nem mesmo como um
único menino poderia ter causado tanto estrago
sozinho.
Conor sentira o que o monstro estava fazendo a Harry, sentira nas próprias mãos. Quando o monstro
agarrou a camiseta de Harry, Conor sentiu o tecido contra as próprias mãos.
Quando o monstro o golpeou, Conor sentiu o vigor do golpe no próprio punho. Quando o monstro segurou
o braço de Harry às costas, Conor sentiu os músculos de Harry resistindo.
Resistindo, mas não vencendo.
Afinal, como um menino pode vencer um monstro?
Lembrava-se de todos os gritos e da correria. Lembrava-se das outras crianças fugindo para seus
professores. Lembrava-se da roda em torno dele se abrindo cada vez mais à medida que o monstro
contava a história de tudo o que ele fez pelo homem invisível.
— Nunca mais invisível — o monstro dizia enquanto batia em Harry. — Nunca mais invisível.
Chegou ao ponto em que Harry parou de tentar brigar, quando os golpes do monstro eram fortes demais,
numerosos demais, rápidos demais, quando ele começou a implorar ao monstro que parasse.
— Nunca mais invisível — repetiu o monstro, finalmente soltando Harry, seus punhos enormes, à
semelhança de galhos, cerrados com força, como uma trovoada.
Virou-se para Conor.
— Mas há coisas mais difíceis do que ser invisível — disse ele.
E desapareceu, deixando Conor sozinho diante de Harry, que tremia e sangrava.
Todos no refeitório olhavam para Conor agora. Todos conseguiam vê-lo, todos os olhos em sua direção.
Havia silêncio no salão, silêncio demais para crianças demais e, por um instante, antes que os
professores aparecessem — onde estavam? O monstro os impedia de verem? Ou tinha sido mesmo
rápido demais —, dava para ouvir o vento entrando pela janela aberta, um vento que derrubou folhinhas
afiadas pelo chão.
Então houve mãos adultas sobre Conor, tirando-o dali.
— O que você tem a dizer em sua defesa? — perguntou a diretora.
Conor deu de ombros.
— Vou precisar de mais do que isso — disse ela. — Você realmente o machucou.
— Não fui eu — murmurou Conor.
— O quê? — perguntou ela, rispidamente.
— Não fui eu — repetiu Conor, com mais clareza. — Foi o monstro quem fez aquilo.
— O monstro — falou a diretora.
— Eu nem toquei no Harry.
A diretora, com a mão em concha, pôs os cotovelos sobre a mesa. Ela olhou para a srta.
Kwan.
— Todos no refeitório viram você batendo em Harry, Conor — disse a srta. Kwan. —
Eles viram você derrubá-lo. Eles o viram batendo a cabeça dele no chão. — A srta. Kwan se inclinou
para a frente. — Eles o ouviram falando sobre ser visto. Sobre não ser mais invisível.
Conor abriu lentamente as mãos. Elas estavam doloridas novamente. Exatamente como
depois da destruição da sala da avó.
— Entendo que você possa estar com muita raiva — comentou a srta. Kwan, a voz um
pouco mais amena. — Digo, nem conseguimos entrar em contato com um responsável por
você.
— Meu pai voltou para os Estados Unidos — falou Conor. — E minha avó começou a
manter o telefone no silencioso para não acordar a mamãe. — Ele coçou as costas da mão.
— A vovó provavelmente vai retornar a ligação.
A diretora se afundou pesadamente na cadeira.
— As regras da escola determinam a expulsão imediata — declarou ela.
Conor sentiu um frio na barriga, sentiu todo o corpo se afundar sob uma tonelada.
Mas então ele percebeu que estava afundando por causa do peso que tirara de cima de
si mesmo .
Ele foi inundado por uma sensação de compreensão e de alívio também, algo tão forte que quase o fez
chorar, bem ali na sala da diretora.
Ele seria punido. Finalmente aconteceria. Tudo faria sentido novamente. Ela o expulsaria.
A punição estava próxima.
Graças a Deus. Graças a Deus…
— Mas como poderia fazer isso? — completou a diretora.
Conor ficou paralisado.
— Como poderia fazer isso e ainda assim me considerar uma educadora? — perguntou
ela. — Com tudo o que você está enfrentando. — Ela franziu a testa. — Com tudo o que sabemos sobre
Harry. — Ela balançou a cabeça. — Chegará um dia em que
conversaremos sobre tudo isso, Conor O’Malley. E vamos mesmo, acredite. — Ela começou a recolher
os papéis sobre a mesa. — Mas não hoje. — Lançou-lhe um último
olhar. — Você tem problemas maiores nos quais pensar.
Ele levou um tempo para perceber que tudo tinha acabado. Que era aquilo mesmo.
Aquilo era tudo o que ele receberia.
— Você não vai me punir? — perguntou ele.
A diretora lhe abriu um sorriso malicioso, quase gentil, e então disse quase o mesmo que seu pai havia
dito:
— Qual seria o objetivo disso?
A srta. Kwan o acompanhou de volta à sala de aula. Os dois alunos que passaram pelo corredor se
encostaram contra a parede para deixá-lo passar.
Sua sala ficou em silêncio quando ele abriu a porta e ninguém, nem mesmo a professora, disse qualquer
coisa enquanto ele ia até sua mesa. Lily, na mesa ao lado, parecia prestes a dizer alguma coisa. Mas não
disse.
Ninguém falou com ele por todo o dia.
— Há coisas piores do que ser invisível — disse o monstro, e ele tinha razão.
Conor já não era mais invisível. Todos o viam agora.
Mas ele estava mais distante do que nunca.

Sete Minutos Depois Da Meia-Noite [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora