27 | Para que serve você?

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— Vou voltar ao hospital, Conor — anunciou a avó, deixando-o em casa. — Não
gosto de deixá-la daquele jeito. O que você precisa que é tão importante?
— Tenho que fazer uma coisa — respondeu Conor, olhando para a casa onde vivera toda a vida. Ela
parecia vazia e estranha, apesar de não fazer muito tempo desde que ele saiu dali.
Ele percebeu que aquela provavelmente jamais seria sua casa outra vez.
— Voltarei dentro de uma hora para pegá-lo — avisou sua avó. — Vamos jantar no hospital.
Conor não estava ouvindo. Ele já estava fechando a porta do carro atrás de si.
— Uma hora — gritou a avó pela porta fechada. — Você vai querer estar lá hoje à noite.
Conor continuou caminhando até a entrada da casa.
— Conor! — gritou ela. Mas ele não se virou.
Ele mal a ouviu sair com o carro e se afastar.
Lá dentro, a casa cheirava a pó e ar estagnado. Ele nem se deu ao trabalho de fechar a porta. Foi
diretamente para a cozinha e olhou pela janela.
Lá estava a igreja na colina. Lá estava o teixo protegendo o cemitério.
Conor foi até o jardim dos fundos. Ele subiu na mesa onde sua mãe costumava beber Pimm’s no verão e,
dando um impulso, pulou a cerca. Ele fazia isso desde que era uma criança bem pequena, há tanto tempo
que seu pai era quem o castigava. A falha no arame farpado perto da ferrovia ainda estava ali e Conor
passou por ela, rasgando a camisa, mas sem se importar.
Ele cruzou as ferrovias, sem nem sequer notar se vinha trem, pulando outra cerca, e se descobriu na base
da colina que levava à igreja. Ele pulou um murinho de pedra que a cercava e passou sobre as lápides, o
tempo todo tendo a árvore em vista.
E o tempo todo ela continuava apenas uma árvore.
Conor começou a correr.
— Acorde! — ele começou a gritar antes mesmo de chegar até ela. — ACORDE!
Ele chegou ao tronco e começou a chutá-lo.
— Eu mandei acordar! Não me importa que horas são!
Ele chutou de novo.
E com mais força.
E novamente.
E a árvore saiu do caminho tão rápido que Conor perdeu o equilíbrio e caiu.
— Você vai acabar se machucando se continuar com isso — disse o monstro, pairando sobre ele.
— Não funcionou! — gritou Conor, levantando-se. — Você disse que o teixo a curaria, mas não a curou.
— Disse que, se fosse possível curá-la, o teixo o faria — emendou o monstro. —
Parece que ela não podia ser curada.
A raiva aumentou ainda mais no peito de Conor, fazendo seu coração bater forte contra as costelas. Ele
atacou as pernas do monstro, socando a casca e ferindo-se quase que imediatamente.
— Cure-a! Você tem de curá-la!
— Conor — disse o monstro.
— Para que serve você se não pode curá-la? — perguntou Conor, afastando-se. — Só
histórias estúpidas e me causando problemas e todos olhando para mim como se eu fosse doente.
Ele parou porque o monstro estendera uma das mãos e o levantara no ar.
— Foi você quem me chamou, Conor O’Malley — disse ele, olhando seriamente para o menino. — Você
é quem tem as respostas a essas perguntas.
— Se eu o chamei foi para salvá-la — falou Conor, o rosto vermelho, lágrimas que ele nem percebia
escorrendo furiosas pelo rosto. — Foi para salvá-la!
As folhas do monstro farfalharam, como se o vento as fizesse suspirar demoradamente.
— Não vim curá-la — declarou o monstro. — Vim curar você.
— Eu? — interrogou Conor, parando de se remexer na mão do monstro. — Eu não preciso ser curado.
Minha mãe é que…
Mas ele não conseguiu completar. Nem agora ele conseguia dizer aquilo. Por mais que tivessem a
conversa. Por mais que ele sempre soubesse. Porque claro que ele sabia, claro que sempre soube, por
mais que quisesse acreditar que não era verdade, claro que sabia.
Mas ainda assim ele não podia dizer.
Não podia dizer que ela estava…
Conor ainda chorava furiosamente e estava com dificuldades para respirar. Ele se sentiu como se
estivesse sendo aberto, o corpo rasgado.
Ele voltou a olhar para o monstro.
— Me ajude — pediu, baixinho.
— É hora — disse o monstro — da quarta história.
Conor soltou um grito de raiva.
— Não! Não é isso que quero dizer! Há coisas mais importantes acontecendo!
— Sim — concordou o monstro. — Sim, há mesmo.
Ele abriu a mão.
A névoa envolveu-os novamente.
E, mais uma vez, eles estavam no meio do pesadelo.

Sete Minutos Depois Da Meia-Noite [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora