21 | Sem história

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— Você pode curá-la? — perguntou Conor.
— O teixo é uma árvore medicinal, disse o monstro. — É a forma que mais uso para caminhar.
Conor fez uma cara feia.
— Não é uma resposta de verdade.
O monstro só lhe abriu aquele sorriso maligno.
A avó de Conor o levou de volta para casa depois que a mãe dele, sem ter comido o jantar, adormeceu.
Sua avó ainda não tinha falado com ele sobre a destruição da sala. Ela mal falava com ele.
— Vou voltar — avisou ela assim que Conor saiu do carro. — Prepare alguma coisa para comer. Sei que
você ao menos sabe fazer isso.
— Você acha que o papai está no aeroporto agora? — perguntou Conor.
Tudo o que sua avó deu como resposta foi suspirar silenciosamente. Ele fechou a porta e ela se foi.
Depois de entrar na casa, o relógio — o relógio barato, de pilhas, que ficava na cozinha, agora o único
da casa — avançou rumo à meia-noite sem que sua avó voltasse ou ligasse. Ele pensou em ligar para ela,
mas ela já tinha ficado brava com ele uma vez quando o celular acordara a filha.
Não importava. Na verdade, era até mais fácil. Ele não tinha de fingir que ia para a cama. Ele esperou até
que o relógio desse 00h07. Então saiu e disse:
— Onde está você?
E o monstro disse: — Estou aqui — e passou por cima do escritório da avó com um movimento fácil.
— Você pode curá-la? — perguntou Conor novamente, com mais firmeza.
O monstro olhou para ele. — Não depende de mim.
— Por que não? — quis saber Conor. — Você destrói casas e resgata bruxas. Você disse que cada
pedacinho seu pode curar, basta que as pessoas façam uso disso.
— Se sua mãe puder ser curada — disse o monstro—, então o teixo a curará.
Conor cruzou os braços.
— Isso é um sim?
O monstro fez algo que não tinha feito até então.
Sentou-se.
Apoiando todo o peso sobre o escritório da avó, a madeira gemeu e o telhado afundou.
O coração de Conor bateu na garganta. Se o monstro destruísse o escritório dela também, sabe-se lá o
que ela faria com o garoto. Provavelmente o mandaria para a prisão. Ou, pior,
para o internato.
— Você ainda não sabe por que me chamou, não é? — perguntou o monstro. — Você ainda não sabe
por que saí andando. Não que eu faça isso todos os dias, Conor O’Malley.
— Eu não o chamei — retrucou Conor. — A não ser num sonho ou coisa assim. E, mesmo que tivesse
chamado, obviamente foi por causa da minha mãe.
— Foi?
— Bom, por que mais seria? — perguntou Conor, erguendo a voz. — Não foi só para
ouvir essas histórias horríveis que não fazem o menor sentido.
— Você está se esquecendo da sala da casa de sua avó?
Conor mal conseguiu suprimir um sorrisinho.
— Como eu pensei — disse o monstro.
— Estou falando sério — falou Conor.
— Eu também. Mas ainda não estamos prontos para a terceira e última história. Vai ser em breve. E
depois disso você vai me contar sua história, Conor O’Malley. Vai me contar sua verdade. — O
monstro se aproximou. — E você sabe do que estou falando.
A névoa os cercou novamente e o jardim de sua avó desapareceu. O mundo mudou para
algo cinza e vazio e Conor soube exatamente onde estava, soube exatamente no que o mundo se
transformara.
Ele estava dentro do pesadelo.
A sensação foi essa, foi assim que pareceu, as beiradas do mundo desmoronando e Conor segurando as
mãos dela, sentindo-as se soltarem, sentindo a queda dela…
— Não! — gritou ele. — Não! Isso não!
A névoa se dissipou e ele estava de volta ao jardim da avó, o monstro ainda sentado no telhado do
escritório.
— Isso não foi culpa minha — disse Conor, a voz trêmula. — Isso foi apenas um pesadelo.
— Ainda assim — disse o monstro, levantando-se, as vigas do telhado do escritório da avó parecendo
suspirar de alívio — , é isso que vai acontecer depois da terceira história.
— Ótimo — falou Conor —, mais uma história quando há coisas mais importantes acontecendo.
— Histórias são importantes — disse o monstro. — Elas podem ser mais importantes do que tudo. Se
forem sinceras.
— Histórias de vida — concluiu Conor, amargurado, baixinho.
O monstro pareceu surpreso. — Isso mesmo — disse ele. O monstro se virou para ir embora, mas voltou
a olhar para Conor. — Procure-me em breve.
— O que vai acontecer com a minha mãe? — quis saber Conor.
O monstro parou. — Você ainda não sabe?
— Você disse que era uma árvore medicinal — disse Conor. — Bom, preciso que você cure!
— E então eu o farei — declarou o monstro.
E, com uma rajada de vento, se foi.

Sete Minutos Depois Da Meia-Noite [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora