Capítulo 1

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"Sonhei que as pessoas eram boas

Em um mundo de amor 

E acordei nesse mundo marginal

Mas te vejo e sinto

O brilho desse olhar

Que me acalma

E me traz força pra encarar tudo."

Dia especial - Tiago Iorc 

Acordei irritada com o som que vinha da sala nas alturas, o que já indicava que o meu humor não estava muito bom, e, portanto, minha cara estaria completamente azeda. Minha mãe sempre teve esse costume de acordar cedo, colocar seus forrós e fazer as suas tarefas nos fins de semana, e talvez ela já colocasse alto para me acordar mesmo, e pensando bem até que não era de todo ruim acordar com música, exceto pelo fato de que a banda não era das melhores, mais se parecia com aquelas músicas escrotas que a gente escuta quando passa em uma rua com boteco aberto, sabe?

Mas entre acordar com os gritos da minha mãe quase estourando os meus tímpanos ou com o tal do sucesso do momento que era uma poluição sonora para mim, eu escolhia o segundo apesar de tudo.

Eu não podia dormir até tarde como as outras adolescentes por aí, tinha que levantar no máximo até nove horas da manhã se não quisesse ouvir os berros da minha querida mamãe.

Eu não sei se é assim em toda casa de nordestinos, mas na minha não tinha moleza, o negócio era " levantar o pandeiro" e fazer as coisas como dizia minha mãe. Não importava se a minha semana tinha sido uma droga na escola, se eu tivesse trocentos trabalhos para fazer, e para não ficar discutindo com ela eu me resignava a obedecer sem questionar, pois vencer uma discussão com minha mãe era mais impossível do que ganhar na mega sena, ela acabava com seus argumentos em dois tempos.

Apesar da minha relutância em levantar da cama por que ela parecia me chamar para ficar ali por horas desmaiada em um mundo mais atraente do que a realidade, eu precisava acordar para ajudar minha mãe nas tarefas domésticas, pois se não fizesse isso ela era capaz de não me deixar sair nem para dar uma voltinha no bairro.

Ela era severa, a música " paraíba masculina, mulher macho, sim sinhô", parecia ser escrita para minha mãe, uma mulher arretada, guerreira, algumas vezes meio bruta, — ou melhor, na maioria das vezes, aliás, mas no fundo ela sempre teve um bom coração, e mesmo sendo dura, rígida e séria, ainda tinha momentos que ela conseguia fazer graça com as coisas com aquele jeitão que é único dela.

— Estela eu vou ter que te arrastar da cama ou você vai limpar a casa enquanto eu lavo roupa, como a boa menina que tem de ser? — Ouvi minha mãe dar um grito na minha janela.

— Eu já tô indo, mãe! Não precisa se preocupar em me chamar de novo. — respondi revirando os olhos.

— Acho bom por que você não vai mexer no celular, nem no computador e muito menos ver TV antes de acabar tudo, entendeu? Eu trabalho a semana toda, levanto cinco horas da manhã e só volto tarde da noite por que tenho dois empregos para manter essa casa de pé, depois que o traste do teu pai me deixou por uma vagabunda qualquer, então eu preciso da sua ajuda, quer você goste ou não. Larga de preguiça e vem me ajudar!

Eu não gostava quando ela falava assim do meu pai, mas não tirava a sua razão, eu ainda era pequena quando ele foi embora, tinha por volta de uns seis anos e nunca mais tive contato com ele. Meu pai saiu daqui de São Paulo e foi morar em Recife. Acho que ele esqueceu mesmo que colocou uma filha no mundo, mas não tenho tempo para ficar chorando por alguém por que como minha mãe salientou, somos só nós duas nessa casa e ela conta comigo para ajudar em tudo que precisa.

As coisas que eu odeio amar em vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora