Capítulo 21.

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Entediada. Essa era a forma como me sentia com o passar dos dias. Não gostava de rotina, e creio que a vida me conhecesse o suficiente para saber disso, porque foram passados apenas sete dias para que a garota de não sei que andar resolvesse renascer do inferno para procurar briga na minha porta.

- Olá! Eu sou a Kamilla. - apresentou-se a garota do elevador de dias atrás. - Vim visitar o Vitor. Soube do acidente e fiquei preocupada. Ele está aí?

- Ele n... - não esperou que eu respondesse para adentrar o apartamento. Fechei a porta já enfurecida enquanto ela procurava pelos cômodos por ele. 

 Ela caminhou pelo apartamento até parar em frente a porta do quarto, de onde ele saiu com um camiseta na mão, provavelmente pronto pra vesti-la.

- Kamilla? - indagou seriamente surpreso.

- Sua amiga disse que você não estava. - MAS É O QUÊ?

- Acabei de chegar. Tá fazendo o quê aqui?

- Desculpa por não ter avisado. Fiquei morrendo de preocupação. Você está bem, amor?

Espera. "amor"?

- Sabe que não gosto que venha aqui. Vaza.

- Eu só quero...

- Depois eu falo contigo. Agora vai embora, Kamilla.

- Só não esquece de passar no meu apartamento depois. - disse e saiu rebolando. Respirei fundo antes de ir atrás para trancar a porta. Assim que me aproximei ela me encarou com um olhar desafiador. - Eu espero que você não esteja tentando roubar o Vitor de mim, amiguinha.

- Caso não tenha percebido ele nem liga pra sua existência, ou seja, com toda certeza ele não é seu e nem de qualquer outro alguém. Vitor não é um animal doméstico ou um objeto pra ter dono. E outra, eu não preciso roubar macho de ninguém, eles automaticamente vem atrás de mim. Agora tchau, amiguinha. - e fecho a porta antes que ela tenha a oportunidade de abrir a boca.

Me encostei na porta e senti meu corpo desabar em tensão. Não desejava disputar ninguém. Ouço meu celular vibrar em cima do balcão e em passos lentos vou até lá. 

"Espero que me desculpe pelo que aconteceu. Poder vir aqui? Precisamos conversar."

Mais essa. Ok, eu obviamente nunca mais reclamaria por me sentir entendiada. Vou até o quarto e procuro pela minha bolsa, e no mesmo instante desejava não ter encontrado. Suspiro e vou até a carteira de Vitor jogada em cima da mesinha de centro da sala. Tiro algumas notas e em seguida ele aparece na porta.

- Tá fazendo o quê?

- Meu dinheiro tá no banco e eu preciso sair agora. Depois te devolvo. - digo e coloco as notas no bolso após repor a carteira no lugar.

- Como se fosse fazer falta se não devolvesse. - fala instantaneamente e reviro os olhos, evitando dizer qualquer coisa que levasse a uma discussão realmente desnecessária. - Vai onde?

- Tio Lehandro. - minto. Ele arqueia a sobrancelha e continua me observando, sabia de alguma forma que era mentira.

- Quer carona? 

- Não. - Ponto pra ele, e agora tinha certeza absoluta de que eu estava mentindo.

- Ok.

- Tchau. - Digo e vou em direção à porta. 

- Ei! - chamou assim que me aproximei do hall. 

- Oi? - Se despeça, se despeça.

- Seu celular. - avisou e apontou para o balcão com um meneio de cabeça.

- Anh... Certo. Obrigada. - peguei rapidamente e me dirigi à porta. Não hesitei um segundo antes de sair, estranhamente decepcionada.

Pedi um motorista de aplicativo e em pouco tempo já estava em frente ao portão de entrada principal do prédio.

Me manti calada por todo o percurso. Sem idéias do que faria dali pra frente. Estava em um "relacionamento" estritamente confuso e me perguntava a todo instante o que raios aconteceria daqui alguns dias. Precisava de previsibilidade, de planos, de algo fixo e não de mais incertezas na minha vida. 

Pela primeira vez um motorista entrara no morro sem temer pela própria vida. Dei as coordenadas e logo estávamos em frente à casa de Pedro. Paguei o homem e após agradecer, saí do veículo. Abri o portão e entrei na casa. Fitei cada canto da sala e presumi que ele estava na cozinha. Me encostei no batente da porta e observei o homem moreno e largado na cadeira próximo ao balcão.

- Oi. - falei e ele se levantou posteriormente.

- Fala aí. Tá bem?

- Na medida do possível. - respondo inevitavelmente mais seca do que desejava.

- Certo. - respira fundo antes de continuar. - Olha, Aysha, eu realmente estava fora de mim naquele dia. É muita coisa pra minha cabeça. Cara, ele matou o meu pai, tu não sabe como é isso. 

- O mesmo pai que agrediu a minha mãe, o mesmo pai que matou o melhor amigo da minha mãe, o mesmo pai que matou a irmã do Alemão e o mesmo pai que tentou me matar. Esse é o seu pai, Pedro. Eu lamento não poder mudar isso mas é a realidade. Em comparação com a pessoa terrível que seu pai é, o Vitor é um mero inocente, e o Menor ainda mais, que só estava tentando ajudar o amigo.

- Sabe qual é, Aysha? Às vezes porra, eu desejava ter a sorte que aquele filho da puta tem. O cara tem um amigo que morreria por ele, tem uma garota que invadiu o morro inimigo e se envolveu com o chefe só pra saber dele... Porra, o cara é comandante do tráfico de armas e é tão filho da puta que verme nenhum sabe quem o cara é. O cara é livre, caralho. Nunca precisou ficar fugindo e...

- Pedro... - coloquei meu dedo indicador nos seus lábios e no mesmo instante ele se calou. - As pessoas sempre vão desejar a vida daqueles que acham conhecer o suficiente. - E outra... - acariciei seu rosto enquanto ele me encarava de forma intensa. - Eu não me envolvi com você por interesse... quer dizer, sim, eu me interessei, mas por interesse unicamente em você. 

- Aysha...

- Não fique atrás de vingança desnecessária, você é melhor do que isso. - finalizei e ele se calou por minutos, provavelmente assimilando o que ouvira. - Eu preciso ir agora. - falei quando já me sentia desconfortável naquele silêncio enlouquecedor.

- Ei! - chamou e me virei em sua direção. - Desculpa. Eu não quero tentar nada, belê? Mas... - falou visivelmente tímido, o que me surpreendeu. - Eu quero tentar pelo menos uma amizade contigo. Porra, tu é foda, guria. Não dá pra simplesmente deixar pra lá.

- Tudo bem. Mas agora eu realmente preciso ir embora. - avisei.

- O tiro fez tanto estrago nele? - brincou.

- O problema agora não é a bala que tu alojou nele e sim uma garota nojenta lá do prédio. - disse e logo pude ouvir um riso.

- Certo. Posso te levar pelo menos?

- Anh... - tento encontrar uma desculpa, imaginando o pior das hipóteses se caso fosse.

- Não vou cometer um atentado lá, relaxa guria.

- Se é assim, ok então. - digo convencida.

A Filha do ComandanteOnde histórias criam vida. Descubra agora