Capítulo 24.

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(Capítulo para finalização bônus de conteúdo da primeira temporada. Leitores que não chegaram lá, não se desesperem que vai haver explicações no decorrer da história.)

Não sentia minhas pernas. Não sentia meus braços. Não sentia sequer o mundo a minha volta. Parecia estar perdida em um buraco negro onde a vida repentinamente se fragmentasse em milímetros pedaços incapazes de serem recompostos. Podia não sentir meu corpo, mas por outro lado, minha cabeça doía, como se houvesse levado inúmeras pancadas e agora estava em uma sala de cirurgia contendo a hemorragia que acabara de ser aberta. Ok, exagero talvez.

Tinha medo do que aconteceria nos próximos segundos após abrir meus olhos. Tinha medo de que tudo que me lembrava fosse realmente verdade. Tirei forças suficientes para abrir meus olhos e me deparar com um quarto escuro. Não escuro por eu estar presa em um cubículo sujo e sem iluminação, mas escuro pelas cortinas estarem fechadas.

Observei ao redor, talvez por ser totalmente diferente do que imaginei, meu desespero se desdobrou como flechas no meu coração. Limpo, grande, arrumado, mas ainda sim, desconhecido. Preferi me manter calada a gritar como louca. Quanto mais silêncio, mais tempo teria para descobrir onde raios eu me metera.

Abri todas as gavetas e portas de guarda-roupa possíveis ali... Nada. Abri as cortinas e vi o dia nublado, janelas repletas de gotículas de chuva. Talvez eu não houvesse me desesperado ainda mais se não estivesse em um possível terceiro andar no meio de uma casa repleta de árvores ao redor.

Talvez estivesse sendo a protagonista de um filme de suspense e nem sequer tinha idéia.

Ouvi passos e rapidamente me afastei da porta e da janela, pronta para atacar qualquer quem ousasse tocar em mim... ou não já que estava com as mãos abanando.

A porta foi destrancada e um homem alto adentrou, talvez surpreso por me ver acordada.

- Ela acordou! - disse alto para uma possível pessoa que estivesse do outro lado. - Você fica quietinha aí. - Como se houvesse opção.

- Cuidado com ela. Vai ser difícil pra ela entender. - novamente reconheci a voz. Memórias passadas de cabelos ruivos atravessaram meu consciente... Mãe.

- Mãe... - foi como sussurro, repetindo a palavra vaga solta na minha mente. Senti minha cabeça doer, como se não devesse lembrar daquilo. Meu sussurro talvez não tenha sido tão baixo assim, porque o homem logo se virou em direção a possível mulher e disse:

- Acho que ela se lembra...

- Olha, eu sei que tem boas chances de eu ser a pessoa que vocês procuram já que na minha vida só tem gente problemática, mas vocês tem certeza? - perguntei instintivamente, em um impulso que agradeci por ter conseguido executar.

O homem se afastou da porta e senti que logo o mistério deixaria de existir. Observei cada passo que a mulher de vermelho dava enquanto caminhava em direção ao homem que entrara primeiro.

- Se lembra de mim, Aysha? - perguntou com um sorriso, talvez até mesmo verdadeiro.

- Não. - Sim. Ou quero dizer, talvez.

- Tem certeza? - seu semblante abaixou. Parecia decepcionada.

- Seria tão importante isso? - indago.

- Claro, você é a minha filha. - Quis rir mas sua expressão me fez perceber que a mulher realmente falava sério.

- Olha moça, você pegou a Aysha errada, eu já tenho mãe. - falei forçando um sorriso.

- Eu jamais me esqueceria de você. É igual ao seu pai. E em questão da sua mãe, ela me roubou você, tirou minha pequena dos meus braços quando ainda tinha apenas três anos.

Não soube o que dizer. Estava com medo da mulher dar um surto psicótico e querer me matar se eu negasse ser sua filha. Provavelmente tinha diversos transtornos mentais e agora só sobrara ter cuidado.

- Você poderia por favor me dizer o que raios está acontecendo? - me direcionei ao homem que apenas observava.

- O Lehandro me abandonou quando ainda era tão pequeno. Eu era apenas uma adolescente, não sabia nada da vida. - A mulher iniciou, me pegando de surpresa por saber o nome do meu tio. - Seu pai tinha um relacionamento conturbado com outra mulher na época, e desse relacionamento surgiu a Laryssa. Poucos anos depois a mulher morreu e a filha vivendo um momento rebelde por perder a mãe, engravidou do primeiro cara que viu pela frente. Nunca quis contar pra Allan e eu jamais deixaria que acontecesse o mesmo que aconteceu comigo. Perdi Lehandro e hoje em dia ele evita qualquer contato comigo. - abaixa a cabeça, chorosa. - Mandamos a Laryssa para outro estado em busca de estudo enquanto ficávamos cuidando de você, isso tudo assim que você nasceu. O que eu não esperava, era que nascesse um vínculo de amor tão grande entre a gente... - Ela tentou se aproximar e eu logo me afastei, tentando assimilar a loucura que havia escutado. - Minha filha, você não tem idéia do quanto te procurei e...

- Para! - pedi alto. - Você é surtada, só pode.

- Você está aqui pra ficar comigo! Onde sempre foi o seu lugar. - se aproximou sem me dar chances de correr para trás.

- Eu não vou ficar em lugar nenhum com você. Tu é maluca! Tá dizendo coisa com coisa.

- Você não lembra, Aysha, de como era feliz comigo? Com o seu pai e...

- Espera! Na sua história louca aí, quem seria meu pai? - pergunto já extremamente confusa.

- O Carlos, obviamente. Minha filha...

- Eu não sou a sua filha! Desculpa te decepcionar mas você precisa se internar. Minha mãe é a Laryssa, unicamente ela. Você só pode estar drogada! - e logo em seguida senti o estalo forte do tapa dado em meu rosto. Não tive tempo de reagir, o homem logo se aproximou afastando a ruiva de mim.

- Verônica! Por favor... - pediu.

- Tranque ela aí dentro. Ela precisa entender que deve ficar comigo e não com aquela vagabunda da Laryssa. - e saiu batendo os pés.

- Desculpe. - pediu. - Se precisa de algo é só me chamar. Meu nome é Luís. - e saiu assim como ela, trancando a porta em seguida.

Meu coração afundou. Minha cabeça girou. Senti meu corpo voltando a se recompor. E a força do tapa dado se alastrou pelo parte direita do meu rosto.

Pensei em suas palavras. Me perguntei se havia alguma verdade no que dissera, e mentalmente pedi que não.

Desejei Vitor ali comigo e senti uma lágrima escorrer.

Havia cansado dessa vida. Não gostava de confusões mas sempre estava infiltrada em uma. Forçada a viver algo que eu não desejava.

Me arrastei pela parede atrás de mim até chegar no chão. Abracei meus joelhos e jurei que não iria chorar dessa vez. Precisava ter forças, era isso. Se preciso, até quebrar a janela e pular de sei lá qual andar estava.

- Eu cansei. - sussurrei para mim mesma. - Não quero mais viver isso. - Lembrei rapidamente de uma escolha não detalhada que fiz ainda quando pequena.

Esse era meu castigo por escolhas mal feitas? Era meu castigo por estar vivendo algo que não deveria? Ou era simplesmente o destino querendo brincar comigo?

Respirar. Não pensar. Respirar. Não pensar. Respirar. Não chorar. Respirar. Não querer lembrar...

Precisava finalizar essa vida que comecei. Era tudo o que eu sabia.

A Filha do ComandanteOnde histórias criam vida. Descubra agora