Capítulo 26.

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A porta foi aberta e Luís abriu um curto sorriso. Sabíamos que aquilo o prejudicaria de certa forma.

Andei pelo corredor, seguindo-o até o andar debaixo, como sempre fazíamos quando Verônica não estava em casa.

- Ela vai demorar um pouco hoje. Foi até a cidade resolver algumas questões. - informa.

- Certo. - fui até a poltrona e me sentei. Respirando um pouco do ar que vinha das janelas abertas.

- Como passou hoje?

- Foi entediante.

- Já sabia que diria isso. - comentou e soltei um riso baixo.

Havia dias que estava aqui e aos poucos criava um vínculo carinhoso com Luís. Ele tentava de todas as formas não deixar as coisas assustadoras para mim, e eu agradecia grandemente por isso. Verônica era ríspida tanto com ele quanto comigo. Tratava-nos como se fossemos pobres inocentes sem qualquer QI para sobreviver ao mundo lá fora.

- Como vai a boa leitura? - indagou tentando puxar algum assunto qualquer.

- Terminei ontem. - digo ao lembrar dos meus momentos de sensibilidade enquanto eu abraçava O Jardim dos Esquecidos sentindo uma parte de mim negar aceitar o término daquela história.

- Sério? - se ajeitou no sofá, agora prestando mais atenção em mim. - O que achou?

- Estou traumatizada. - digo e ele ri. - Como pode uma mãe matar o próprio filho envenenado? Ainda mais por dinheiro? Isso é cruel.

- A vida é cruel.

- Mas esse livro saí totalmente fora da realidade. Crianças presas no sótão... Uma mulher que sabia ser mãe abandonar os filhos por luxo... Uma paixão proibida que na sociedade seria horrível, mas no livro nos mostra como se fosse algo inocente e puro... É irreal.

- Aysha, assimila tudo o que você acaba de dizer. Acha mesmo que essas coisas não acontecem nos dias de hoje? - Respiro fundo sem saber o que dizer. Sim, era verídico, porém ao mesmo tempo era tão cruel a ponto de ser irreal. - Esse livro mudou a minha história. Nos faz repensar em cada ação nossa no dia-a-dia.

- Por que não me preparou mentalmente para o final?

- Porque você precisava desse impacto para entender que a vida é assim.

- Posso ficar com ele? - peço carinhosamente.

- Por todo o sempre, pequena Aysha.

Ele sorri e eu aproveito para deitar minha cabeça na almofada que havia em seu colo.

Observo seus olhos cansados e os fios brancos pedindo para ocuparem espaço no seu rosto. Não era tão velho, mas era tão cansado e com uma imagem tão pura que o fazia envelhecer anos, deixando-o pequeno e inocente. Talvez seja por isso que Verônica o tratava assim.

Tentei imaginar que ele fosse um querido tio mas no mesmo instante lembrei de Lehandro e sua jovialidade. Tentei caracterizar o homem de alguma forma mas tudo me trazia apenas ao querido velho Luís que amava a irmã e tentava protegê-la de todas as formas.

- Você já se apaixonou? - indago.

- Diversas vezes. - faz uma pausa.- ...Eu era um verdadeiro galã de cinema. - solto uma risada alta e ele acaba me acompanhando. - Mas por que a pergunta? Tem pensado no Vitor?

- Pra falar a verdade... Todos os dias. - respondo sincera.

- Estavam juntos antes disso acontecer?

- Complicado dizer.

- Por quê?

- Talvez porque nosso futuro é imprevisível. Tenho medo de sair machucada assim como ele tem medo de me machucar.

- Pelo que conheço Vitor, ele jamais faria algo sabendo que te prejudicaria.

- E quanto você conhece ele? - a curiosidade grita alto.

- Quinze anos te diz algo?

- Quinze? Os mesmos anos em que fiquei longe dele?

- Aysha... - ele chama baixo e eu levanto no mesmo instante. - Fica calma. - pede, porém nego. Não iria aceitar mais mentiras e nem mais ocultações de qualquer informação que envolvesse a mim.

- Luís... Não minta pra mim como os outros.

- Tudo bem... Mas não fale nada a respeito disso para a Verônica.

- Sabe que não.

- Há quinze anos atrás, Vitor teve que desaparecer para conseguir fugir do pai e das responsabilidades do tráfico. Ele se importava o suficiente com você para não conseguir ir embora sem um total cuidado.

- Como assim?

- Depois do que aconteceu com Marcos, ele teve medo de alguém vir atrás de você em busca de vingança pra atingi-lo. Então veio atrás de Veronica, pediu que enquanto ele estivesse no Rio, ela cuidasse de você. Foi o que ela fez.

- Então ela sempre esteve de olho em mim? - indago assustada.

- Sim, Aysha. Ela sempre esteve contigo, porém quando veio para o Rio, ficou mais complicado. Todos conheciam ela por conta do passado dela com seu avô. Você começou a morar próximo ao Lehandro e aquilo acabou com os planos dela de te proteger. Lehandro a mantém sempre longe.

- Eu não sei o que dizer. - digo tentando compreender aquela história sem cabimento algum.

- A fato é esse... Ela sempre esteve por perto. Nós sempre estivemos por perto. - ele se levanta. - Agora não pense tanto nisso. Vou fazer um chá, você vem?

- Já te acompanho. - digo e ele assente, caminhando em seguida até a cozinha.

Vou até a janela e observo o campo verde que rodeava a casa. Já havia saído uma vez, foi há dois dias atrás quando Luís colocou na cabeça que eu precisava tomar sol. Ouvi a chaleira chiar e me debruçei no batente, sentindo a umidade lá fora atingir meu rosto.

- Aysha? - Luís chama e me viro em sua direção, esperando que continuasse o que queria dizer. - Por que nunca fugiu?

- Quê? - pergunto sem entender.

- Você já teve tantas oportunidades. Desde semana passada que sua porta não é mais trancada e você sabe disso. Sempre que Verônica sai você fica aqui e as janelas e portas estão sempre abertas. Por que continua aqui?

- Porque não consigo colocar a sua segurança em risco em troca da minha liberdade.

Seus olhos escurecem e vejo a dor consumi-los. Ele se culpava pelo que acontecia comigo, era visível há quilômetros de distância isso.

- Não quero que se machuque. Não quero que sinta decepção ao ver as coisas que Verônica poderia fazer se caso me deixasse fugir. - continuo e ele assente, abaixando a cabeça em seguida.

- O chá está pronto. - diz e escuto o som de um veículo se aproximando.

- Ela chegou. - aviso. - Leva pra mim lá em cima. - peço e começo a subir as escadas, sem esperar pela sua resposta.

Assim que chego ao quarto e fecho minha porta, sinto as lágrimas percorrerem meu rosto. Querendo ou não, Vitor tinha culpa nisso. Não estaria aqui se ele não houvesse ido atrás dela.

Deitei na cama e tentei acalmar meu coração que pedia por ajuda. Respirei fundo diversas vezes até ouvir a porta ser aberta.

O barulho da bandeja sendo deixada na estante soa. Mordo o lábio inferior e espero que a porta seja fechada para que eu possa me levantar.

- Apenas mais uma oportunidade, Aysha. E não hesite em sair por mim.

A Filha do ComandanteOnde histórias criam vida. Descubra agora