BELA TALBOT - Uma Corrida Contra O Tempo

04 - Cartomancia

Era de joelhos diante do closet escancarado, que revirava pares de sapato amontoados ao fundo, procurando por uma caixa que servisse. Já basta ter corrido o risco com o amuleto e o roubo, insuportável seria não ter uma caixa decente para colocá-lo e o isolar de qualquer possível contato. Uma maldição tão poderosa precisa obviamente de uma caixa de contenção, esta que Wayne e Grossman fizeram o favor de estragar tudo. Agora, um antigo recipiente de sapatos deveria aguentar a coisa até pensar em algo melhor ou sair para comprar um recipiente que preste. Entre os logos de Prada e Gucci, nenhuma delas lhe agradava. Eram papelões frágeis e muitas, contendo rasgos dos quais o amuleto podia "escorregar" sobre. Ele era capaz de se arrastar sozinho até uma pessoa? Será que quando dormisse, o pé de coelho flutuaria até sua mão para lhe amaldiçoar? Impossível saber, impossível arriscar.

- Qual é, não tem nada que preste? -Metia os punhos catando tudo o que podia, jogando as tralhas para os lados em decepção ao ver que infelizmente não era uma acumuladora de bugigangas inúteis.

O miado forte de Amendoim surgiu por trás, lhe tirando a atenção da ação:

- Amendoim, o que está fazendo?!

O animal arqueou as costas ao se preparar para um salto, este que se impulsionou num piscar de olhos para cima da cama com o rabo levantado.

- Droga, não!! -Exclamou em urgência, levantando-se num pulo ao esticar-se para contê-lo. O pé de coelho se via estirado sobre o edredom ainda embrulhado com o pano azul sobre o avental de garçonete amarrotado. Certamente o gato acharia a coisa interessante, parecendo farejar o objeto, no que ergueu uma das patinhas frontais ameaçando cutucar a maldição coberta pelo paninho. - Sai! -O pegou sem delicadeza envolvendo seu corpinho com as duas mãos. - Cai fora, isso não é pra você! -Vociferou carregando-o até a porta, o enxotando para fora do quarto e largando-o no corredor, onde ele se agitou em suas mãos, conseguindo se soltar e cair perfeitamente em pé sobre o piso. - Xô! -Bateu o pé, espantando-o corredor à fora e em seguida, bateu a porta garantindo que o animal fosse ficar longe da coisa. Precisava achar um recipiente de preferência de metal ou ferro, que não só contivesse a atração da maldição, mas como também mantivesse a curiosidade de Amendoim longe.

- E agora?... -Olhou em volta, perdida. A concentração fora interrompida, desta vez pelo toque rasgante do interfone. - E agora?!

Na sala, próxima a porta, apertou o botão abrindo a linha para o interfone:

- Sim?

- Alex? -Uma mocinha chamou do outro lado.

- Olá.

- É a Sheila. Sheila Case. Vim para minha consulta.

- Ah, pode subir, meu amor. -Respondeu em tom simpático, ainda que revirasse os olhos de raiva. Só faltava essa, mais uma interrupção. Essa droga de Pé não lhe daria descanso?!

Sheila era só mais uma de muitas de suas clientes. No meio tempo, Bela ou vulgo "Alex", performava sessões espíritas e tiração de cartas para madames da alta sociedade espalhadas pela costa leste. A atração pelo misticismo, espiritismo e ocultismo entre os ricaços era assustador. Era também o combustível para seu lucro tanto nas vendas como nas performances como clarividente. Mas hoje, ela tinha um problema em especial: o espírito de Amanda. O fantasma poderia atrapalhar a sessão de algum modo, seja assustando terrivelmente a cliente ou expondo o podre de Bela para alguém que não tinha nada a ver. Geralmente, suas sessões não contavam com nenhum tipo de entidade ou manifestação de verdade. Ainda que soubesse conjurar espíritos e se comunicar pra valer, escolhia por não fazê-lo, pelo mesmo motivo que não é nem um pouco divertido ter a tal Amanda em sua cola, quem dirá assombrações dos insuportáveis familiares dessas pessoas chatas. A coisa toda, as suas sessões e etc, eram uma farsa. Mas, e daí?