14. Temos um segredo?

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        Ethan

                O não pior não fora feito, mas isso não significava que as lembranças fossem esquecidas da mente de Alice. Um trauma sofrido nunca é esquecido, digo por experiência própria. Seu corpo miúdo tremia em meus braços, a adrenalina ainda percorria dentro dela, a preparando para tomar atitudes drásticas caso o perigo voltasse à tona.

        Os resfôlegos dos soluços espessos fazia seu corpo dar leves saltos, seu choro molhava minha camisa, e eu não me importava com isso.

― Vamos sair daqui. ― sussurrei calmamente.

― Uhum... ― murmurou.

        A arma de fogo ainda estava em seu domínio, e mesmo que tivesse sido a melhor das intenções o pior poderia ter acontecido se ela disparasse. Mas agora não era hora para sermões e com toda certeza eu teria feito o mesmo.

― Nunca conte para sua mãe que você pegou numa arma. ― pedi a pegando e a colocando na cintura. Armas eram perigosas e mesmo sabendo do perigo que ela correu, eu sabia que a Mell não iria gostar de saber. ― Esse pode ser o nosso segredo?

        Ainda ajoelhada no chão ela se afastou um pouco de mim para me olhar.

― Só se você não contar pra ninguém o que aconteceu aqui?... Nem para os meus pais. ― limpou as lagrimas que caíram dos olhos. Eu tentava assimilar se o que eu ouvi tinha mesmo saído de sua boca.

― Você ficou louca Alice? ― franzi o cenho. ― O pior quase aconteceu e...

― Eu não quero que ninguém saiba que eu fui quase abusada Ethan. ― gritou e eu me assustei.

― Mas...

― Eu não quero. Eu não quero que ninguém me olhe com pena o restante da minha vida como fazem com você. ― passou as mãos agressivamente nos cabelos os tirando do rosto.

        Claro que suas palavras me golpearam, até me machucaram um pouco e pelo meu silêncio ela viu que falou demais.

― Meu Deus.... ― levou as mãos à boca, dando-se conta do que tinha feito. ― Eu não quis...

― Eu entendi. ― interrompi-a tentando não mostrar mais abalo de minha parte. ― Você tem certeza que não quer contar pra ninguém?

        Eu respeitaria a sua vontade, mesmo não concordando, mas se ela não queria contar, ela tinha esse direito.

― Tenho. ― disse firme.

― Tem certeza que está bem? Não quer ir a um hospital? ― insisti em perguntar.

― Tenho. Graças a você eu estou bem. ― um sorriso forçado se formou em seus lábios, ela queria mostrar para mim com aquele sorriso mucho de que tudo estava bem.

― Vou te levar pra casa. ― me levantei e a ajudei a se levantar.

― Eu não posso ir para casa. ― falou desesperada. ― Eu não posso chegar nesse estado em casa. ― Será que eu posso ficar na sua casa?

        “Como?”. Acho que eu não tinha ouvido direito.

― Alice, você sabe muito bem que eu não estou de acordo com isso de você querer esconder dos seus pais. ― disse friamente. ― Você é maluca. ― balancei cabeça frustrado.

― Eu sei. ― concordou. ― Por favor, Ethan. ― me olhou fundo nos olhos ao pedir.

― Tudo bem. ― cedi relutante. De certa forma eu entendia o seu lado, ser olhado com pena pelas pessoas nunca é uma coisa boa. E acho que nunca será.

― Muito obrigada. ― abaixou a cabeça ao dizer. ― Eu vou ligar pra minha mãe e dizer que vou dormir na casa da Sabrina, você moram no mesmo prédio.

― Você quem sabe. ― envolvi um dos meus braços ao seu redor. ― vamos sair daqui?

― É tudo que eu mais quero nesse momento.

        Seguimos em silêncio para o prédio. Eu não me lembro quando foi o dia que deixei de agir racionalmente para atender a pedidos de meninas de 17 anos. Esse não era eu.

― saiba que eu não estou nada satisfeito com isso. ― ponderei novamente.

― Eu sei. ― falou desanimadamente. Olhava fixamente as mãos, cabisbaixa. Vi-a rapidamente.

― Tem certeza que está bem? ― peguei uma de suas mãos a entrelaçando na minha.

― Tenho. ― novamente o riso forçado apareceu. ― Se não fosse por você. ― fungou.

        Logo as lagrimas vieram aos seus olhos e novamente ela estava chorando. Meu coração se partia ao vê-la chorar. Era horrível ver alguém chorar e não saber o que fazer para fazer com que ela parasse.

― Foi verdade o que você disse? ― senti seu olhar sobre mim. Por estar dirigindo eu não podia olhá-la diretamente por muito tempo.

― Sim, eu vou guardar seu segredo. ― apertei de leve sua mão.

― Isso não... Você disse que não saberia o que seria de você, se também me perdesse. Foi verdade?

        Olhei-a rapidamente mais uma vez.

― Foi. ― falei e sorri pra ela. Verdadeiramente, ela não precisava de um olhar de pena. ― Seria muito chato se você uma menina tão chata saísse assim tão rápido da minha vida. ― humorizei. E verdadeiramente ela sorriu. ― Prefiro ver você sorrindo. ― confessei.

                Não foi somente como encorajamento, mas era a pura verdade.

― Muito obrigada. ― apertou minha mão.

― Não foi nada.

― E então? Temos um segredo?

― Sim, temos um segredo.

        Era imaturo, errado o que eu estava fazendo, mas vi que naquele momento, por ela eu fazia tudo.

Desapego - IMCOMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora