Lembranças

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Michigan

Vinte e um anos antes...

Por três dias, ele ficou só olhando. Até que ela falou com ele.

Tinha acabado de terminar o primeiro ano e estava de férias. A cada dia, inventava novas desculpas para os pais como pretexto para ir ao parque  que ficava a cinco minutos de distância e era o único lugar aonde podia ir sem os irmãos, e mesmo assim “só por meia hora” e passar pela casa dela. Ficava parado sempre no mesmo lugar, junto a uma árvore, com a bicicleta apoiada entre as pernas, espiando enquanto aquela loura fascinante dançava pelo quintal da frente da casa.

Naquele dia, a garota estava com uma pistola de água e mirava nas árvores, esguichando nas folhas, e, depois, nas plantas penduradas na entrada da casa. Tinha boa pontaria. Muito melhor do que a dele. Ela armava a pistola, inclinava a cabeça, fechava um dos olhos, botava a língua para fora e disparava, erguendo o punho no ar sempre que acertava o alvo.

Estava pensando num jeito de se aproximar e perguntar isso a ela, tentando descobrir por que aquela ideia dava uma sensação estranha na barriga, quando percebeu que a
menina tinha parado de atirar e estava olhando para ele, do outro lado da rua, cobrindo os olhos com a mão para protegê-los do sol.

Alfonso ficou paralisado, como um coelho surpreendido à noite pelos faróis de um carro, e começou a remexer no guidão da bicicleta. De soslaio, viu a garota vindo na sua direção, mas ela parou na beira da calçada, sem atravessar a rua, e pôs as mãos na cintura.

– Ei! – gritou ela, com a pistola apontada para baixo e a água pingando na perna – Ei, menino!

Ele ergueu os olhos, sentindo a boca seca. Olhou para os lados e só então apontou para si mesmo,num gesto interrogativo.

– É, você mesmo – confirmou ela. – Está perdido?

Deu para perceber que a garota tinha uma voz bem forte, apesar de ser pequena. Ele fez que não com a cabeça.

– Você mora na rua?

Alfonso franziu a testa e balançou a cabeça mais uma vez.

– É maluco?

Ele pestanejou e ela sorriu, então acrescentou:

– Você mora nessa árvore? Está sempre por aí.

O rosto do garoto ficou vermelho de vergonha. Não que estivesse tentando se esconder, mas o fato de ela ter reparado na presença dele fez com que se sentisse meio bobo.

– Sabe brincar com pistola de água?

A menina apoiou a dela nos quadris. Só precisava de um chapéu de caubói para completar o visual.

Dessa vez ele assentiu.

– Você fala?

Ele não abriu a boca, mas assentiu novamente.

– Pode atravessar a rua?

Na verdade, não podia. Mas estava tudo tranquilo, e não tinha ninguém por perto. Alfonso fez que sim com a cabeça.

– Então não fique parado aí. Vem brincar!

Ela ergueu a pistola e disparou. Por mais potente que parecesse aquela arma, a água só molhou a ponta da sandália de Alfonso, respingando nos dedos do seu pé.

Ele abriu um sorriso largo e manobrou a bicicleta, preferindo empurrá-la a pedalar, e atravessou a rua.

Ela o observou por um breve instante e, com a cabeça, fez um gesto indicando o Super- Homem da camiseta dele.

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