Siete

160 27 28
                                    

Ross se mantinha sentado em uma poltrona a frente da minha cama, olhando-me reproduzir as notas que ele me ensinou. Quando errava alguma nota, ele mandava eu refazer até acertar, meus dedos estavam doendo, tocar violão, não é fácil.

-Ai Ross, chega, não aguento mais.-Digo, irritada, colocando o violão sobre a cama.

-Eu disse que aprender a tocar violão não é tão fácil quanto pensam.

-É, realmente não, mas por hoje chega, estamos nessa há três horas, merecemos um descanso.

-Okay.-Ele se senta ao meu lado, na cama.-Você não tem nenhum talento para me mostrar? Algo que fazia que achava bom.

-Eu dançava, dancei até os treze anos de idade antes da minha doença piorar e eu não conseguir fazer mais nada.

-Ah, essa eu quero ver.

-Ross, não, eu não tenho estrutura para isso, e faz tanto tempo, talvez eu esteja meio enferrujada.

-Ah, vamos lá.-Ele insisti.-Seu concentrador vai te ajudar nessa.

-Acho melhor não.

-Por favor.-Ele faz beicinho, e junta as mãos junto ao peito como forma de implorar.

-Tudo bem.-Me levanto e arrasto meu concentrador, paro de frente para o Ross.-Coloca alguma música.

-Ah, claro.-Ele diz, pegando seu celular no bolso da calça.-Qual música?

-Coloca o remix da música Do re mi do Blackbear.

-Okay.-Ele direciona sua atenção para o celular.

Assim que ele coloca a música, eu respiro fundo para pegar todo oxigênio possível e retiro minha cânula, assim a pendurando no concentrador.

Olho para o Ross que esfrega uma mão na outra e sorrir, demonstrando sua ansiedade e curiosidade.

Então sem enrola, comecei a reproduzir alguns passos de freestyle.

Não dancei muito pois faltou fôlego, então parei e peguei minha cânula rapidamente e a coloquei no rosto, novamente.

Olhei para o Ross e ele estava boquiaberto.

-Isso foi simplesmente incrível.-Ele diz, sem esconder sua satisfação, enquanto tira a música.

-Obrigada.-Sorrio.

-Como aprendeu?

-Sei lá.-Me sento na poltrona.-Acho que nasci sabendo, eu amava dançar com meu irmão mais velho, ele era bom.

-Irmão mais velho? Onde ele está?

-Morto.

Ross arregala os olhos em demonstração de surpresa.

-Como?

-Ele morreu há três anos atrás, acidente de carro.

-Sério?

-Sim, ele havia brigado com o papai, e saiu de carro, estava nervoso e isso causou um acidente horrível, ele avançou o sinal e um caminhão praticamente passou por cima do seu carro, foi fatal.

-Ah Muni, eu não sei o que dizer.

-O Matthew era meu melhor amigo.-Sorrio enquanto lembro dos momentos que vivi com ele.-O apoio dele quando fui diagnosticada com a enfermidade foi tudo pra mim, ele cuidou de mim.

-Deve ter sido horrível, perdê-lo.

-E foi.-Digo, cabisbaixa.

-E seu pai?

Rio com ironia e talvez ódio.

-Ele surtou depois da morte do Mat, se culpava, brigava com todo mundo, enfim, enlouqueceu, ele começou a ficar obcecado pela minha doença, dizia que iria encontrar a cura porque não queria me perder também, mamãe ficou assustada e pediu divórcio.

-Há quanto tempo você e seu pai não se falam?

-Dois anos.

-Ele foi embora?

-Não, ainda está na cidade, mas eu nunca quis vê-lo.

-Deveria tentar falar com ele.

-Hum, acho que não agora, talvez um dia, antes de morrer.

-Credo, não fala de morte.-Ele diz, horrorizado.

-É o que vai acontecer, okay?

-Eu sei, mas cala a boca, não fala disso.

Rio da sua careta de horror e ele fica totalmente sem reação.

-Olha, eu também sou boa no tutting.

-Em que?

-Tutting, como posso explicar?-Penso um pouco.-É uma dança usando as mãos e dedos, é praticamente dança de dedos.

-Me mostra.

-Okay.

Me mantive sentada e me posturei na poltrona, então mostrei alguns movimentos para o Ross que observou atentamente.

-Okay, isso deve ser muito difícil.

-Não é não.

-Não é para você que já faz isso há muito tempo, nasceu para isso.

-Eu ainda te ensino.

-Agradeço, mas não quero quebrar minha mão.

-Para de drama.-Digo, rindo.

-Não é drama.

Alguém bate na porta, interrompendo nossa conversa.

-Ross, você precisa ir, é hora check up da Muni.-Rydel avisa, do outro lado da porta.

-Estou indo.

-Acho que por hoje é isso, não é?

-Sim, mas amanhã estarei aqui de novo.

-Okay.-Me levanto e ele também.

-Tchau.

-O seu violão e o ukulele.

-Deixe-os aqui, usaremos amanhã.

-Okay.-Vou até ele e o abraço.-Obrigada por me ensinar, Ross.

-Disponha.-Ele retribui ao abraço.-Até amanhã.-Diz, após depositar um beijo em minha testa.

-Até.

Ross sai do quarto e eu volto a me sentar na cama.

Eu estou tão apaixonada por cada momento que passo com ele.

-Você está apaixonada por mim, não por nossos momentos.-Diz, meu Ross imaginário que acabou de aparecer, sentado em minha poltrona.

-Ai que saco, some.

-Admite que está a fim de mim.

-Não tenho que admitir nada, agora vá embora.

-Admite, vai.

-Não há o que admitir.

-Não vai demorar muito para você perceber que me ama.-Ele diz por fim e então desaparece.

Eu com certeza preciso de ajuda psiquiátrica, estou maluca!

afterlifeOnde histórias criam vida. Descubra agora