Capítulo 1: Herança do Conflito

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Jortgen Van der Beek.

Eu acho que é assim que se escreve o nome do meu tataravô holandês.

Mas eu não sei falar nem oi em holandês, então não leve tão em conta assim minha gramática, e sim a moral da história que eu estou prestes a te contar.

O ano era 1848 quando meu tataravô Jortgen e seu melhor amigo Noys Van Dusen atravessaram o oceano até pisarem os pés nos Estados Unidos. A onde um felizardo muito burro tinha acabado de anunciar para o mundo todo que havia encontrado ouro no país, dando início a tal Corrida do Ouro da Califórnia.

A promessa de se tornar rico foi tentadora demais para aqueles dois jovens holandeses, entretanto, quando Jortgen e Noys chegaram em Sutter's Mill, já era tarde demais, e o lugar estava tomado por garimpeiros americanos e suas carroças carregadas de ouro.

Meu tataravovô, todavia, era um homem astuto e inteligente. Sábio demais para perder as esperanças ali, e morrer na praia depois de ter nadado tanto.

Ele estava sempre a um passo à frente do mundo todo — É o que minha avó sempre diz quando conta essa história — por isso, em sociedade com Noys, abriu uma loja de conveniência perto das áreas de garimpo, e forneceu desde água até rum em troca do ouro que aqueles trabalhadores tinham achado nos leitos dos rios.

Não deu outra, e antes de 1855, Jortgen e Noys eram os homens mais ricos de Sacramento. Construíram prédios, as primeiras ferrovias, folhas de jornal e até igrejas.

Dois pequenos fazendeiros holandeses, em menos de uma década, se tornaram os homens mais influentes e poderosos dos Estados Unidos.

Qual é a moral da história então?

Construa uma loja, mesmo que o mundo todo te diga que você tem que garimpar ouro?!

Você deve estar se perguntando.

Não, a lição maior é: Não confie em najas!

Por que, sim! Aquele holandês franzino, invejoso e recalcado do Noys nunca foi um amigo de verdade do o meu tataravô forte, corajoso e desinibido.

Quando ambos estavam no auge de suas carreiras, Jortgen Van der Beek pegou seu melhor amigo, sócio e companheiro Noys Van Dusen consumando um adultério com a sua própria esposa, em sua própria cama! E ainda descobriu que seu filho mais novo não era verdadeiramente seu, e sim um bastardo fruto do caso infiel entre minha tataravó e Noys Van Dusen.

Não só isso, como mais tarde Jortgen descobriu também que esse tempo todo Noys havia desviado a maior parte dos lucros da empresa dos dois para o próprio bolso e individuado meu tataravô até a orelha.

Desacreditado no amor e na amizade, meu tataravô morreu de desgosto, deixando três filhos Van der Beek para trás, que deixaram outros filhos para trás, que tiveram outros filhos que depois tiveram uma filha.

Que sou eu,

Jade Van der Beek.

Embora com certeza tenha puxado muito da inteligência e brilhantismo do meu trisavô, eu falhei em reconhecer a moral dessa história nas mil e uma vezes que meus avós a me contaram;

Nunca, em hipótese alguma, sob nenhuma circunstância, confie em um Van Dusen.

Mas agora, depois que a vida me atracou de cara com um — Pois infelizmente, os Van Dusen também deixaram herdeiros — posso garantir que a moral dessa história é válida até hoje, quatro gerações depois.

E tudo começou no final de julho:

Ah não! Não acredito que você está chorando por causa dessa pataquada — Foi o que eu disse, sentada sob a poltrona de nosso apartamento com vista para o Central Park. Um chocolate quente em uma mão e uma expressão desacredita no rosto — É só um jogo de polo, pelo amor de deus.

— Não é só um jogo de polo, Jade- — Meu pai disse entre soluços. Ainda usava o uniforme vermelho com o brasão da família Van der Beek e segurava a marreta.

Tinha acabado de atravessar a porta, todo ensopado em um misto de suor e lágrimas.

— Ele é um homem sensível, Jade. Deixe ele em paz — Minha mãe disse, consolando-o com um afago nas costas.

— Que coisa ridícula um homem desse tamanho desmoronar por causa de um jogo de polo — Eu disse — Tem gente passando fome, exatamente agora.

— Não foi só um jogo, Jade! Foi o terceiro que nós perdemos para eles. E dessa vez eles ainda ganharam de lavada, na frente da família Winston, nossos futuros investidores! Foi uma vergonha, Jade, e foi tudo culpa deles! Eu tenho certeza que o árbitro era comprado! Eles quase nos derrubaram do cavalo mil vezes e não levaram uma falta sequer! Eles são homens das cavernas!Por eles, meu pai quis dizer — Os malditos Van Dusen!

— Malditos Van Dusen — Minha mãe repetiu, como um mantra.

Pois é.

Como eu disse, os Van Dusen também deixaram herdeiros, que deixaram herdeiros, que deixaram outros herdeiros que hoje tem alguns dos apartamentos mais caros de Nova Iorque e comandam algumas das mais poderosas empresas. Assim como nós, os Van der Beek.

Somos duas famílias historicamente inimigas, que por consequência criaram raizes na mesma cidade das cidades.

E desde que me dou por gente, fui entorpecida com o sentimento da competição que os Van der Beek tem contra os Van Dusen, e vice-versa. Inclusive por que o filho mais novo da fração da família Van Dusen mais odiada por nós, que são os herdeiros diretos de Noys Van Dusen, nasceu no mesmo dia que eu:

Nicholas Van Dusen.

Felizmente, não vejo aquela peste desde a época do ensino fundamental, quando ele foi enviado para um conservatório em Paris.

E digo ver porque, sim, os Van der Beek e os Van Dusen se veem quase que mensalmente.

Em jogos de polo, apresentações de ballet, eventos beneficiários, bailes de gala e acampamentos luxuosos em Hamptons.

Nossas duas famílias fazem questão de se encontrarem.

Somos inimigos declarados e temos muito orgulho disso.

Então, como não podemos começar uma guerra civil dentro de Nova Iorque e fazer rolarem as cabeças dos Van Dusen, como no século 15, nós organizamos jantares luxuosos e frequentamos os deles nas nossas melhores grifes e educação polida, na intenção de se provar a melhor das duas famílias.

Enfim, chega de falar do passado, e deixe eu te contar sobre a minha verdadeira experiência com os Van Dusen.

Que começou naquele final de julho.

Nossas férias de verão acabando e o último ano do ensino médio à vista...

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