Capítulo 2

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Assisto ao noticiário da noite na TV. O notebook está sobre meu colo, mas eu digitei apenas dois parágrafos, se tanto.

O telefone toca, causando-me um leve susto:

-Alô! Pai?

-Oi filha! Tudo bem com você? Como vão as coisas aí na nossa velha Chicago?

-Tudo como sempre. Faz tempo que o senhor não liga. Nem responde às minhas mensagens no celular. Está tudo bem aí?

-Ah, filha. Você sabe que bem, bem mesmo não estou. Mas estou me sentindo melhor aqui em Cape May.

-O senhor ainda sente muito a falta da mamãe, não é papai?

-Sinto. Mas tento não ficar pensando nela. E escrevo para superar. Você sabe Cat, estou tentando uma nova vida aqui. Longe de tudo.

-Sinto sua falta papai. Sinto muito a sua falta.

-Também sinto a falta de vocês. E como está a pequena Pe­nélope?

-A Penny está aqui no meu colo. Está tentando pegar o tele­fone. Acho que ela quer falar com você. Ela está tão grande... Queria tanto que você pudesse vê-la.

-Em breve eu verei vocês. É só questão de eu deixar as coisas aqui organizadas.

-Então ao invés disso eu posso ir aí te visitar?

-Claro filha! Vocês podem vir aqui quando quiserem.

-Nós iremos. Vou ter que desligar agora. Se cuida pai.

-Você também.

Após desligar, fixo o olhar no porta-retratos com a foto delas. Minha linda Catherine. Talvez você merecesse ter tido um pai melhor. Mais presente.

Na foto, ela está acompanhada pela sua adorável Penny, mi­nha netinha. E também pelo marido dela, Bob. No fundo não gosto muito dele, mas já me acostumei em chama-lo de genro. Fazer o quê?

Em seguida, pego a foto de Lorraine, minha falecida esposa. Ela se foi há apenas dois meses. Não é fácil se acostumar com a ausência de alguém que te acompanhou boa parte da vida. Sinto muito a falta dela.

Desisto de escrever essa noite. Fecho o notebook e o coloco de lado. Tiro os óculos. Passo os canais procurando algo interes­sante para ver na TV. Encontro um programa de comédia. As piadas até que são boas, mas não acho muita graça. Para falar a verdade ultimamente nada tem me feito rir.

Desligo a TV. Subo as escadas até o meu quarto. Primeiro, olho para o binóculo, deixado no criado mudo, e a seguir para a janela. A vontade de repetir o ato da noite anterior é irresistí­vel.

"É só um pouco. Se eu tomar cuidado ela não vai me ver". Tento racionalizar comigo mesmo enquanto pego o binóculo e parto para a janela.

Me posto por trás da cortina e procuro as janelas da casa ao lado. Me decepciono. Todas as luzes apagadas. Parece que não há ninguém lá. Ou, se está em casa, dorme um sono pro­fundo. Porém descarto essa ultima possibilidade, pois não é tão tarde assim. Ela deve ter saído.

Não tenho alternativa senão deitar e dormir. Pelo menos essa noite não haverá barulhos para incomodar meu sono. Assim eu espero.

***

Logo ao acordar de manhã dou uma nova espiada na casa vizinha. Nenhum movimento. Nenhum sinal de vida. Bem, com certeza ela deve acordar tarde.

Após o banho e o café, seguindo minha "emocionante" rotina matinal, vou para a varanda ler o jornal. Hoje esse ato tam­bém serve como um pretexto para ver se ela vai aparecer.

Minutos se passam. Nada. De repente, ouço a voz pesada­mente grave do senhor Thompson:

-Bom dia senhor Whitman! Como vai?- ele se posta à entrada da minha casa apoiado no seu ancinho.

-Bem, senhor Thompson, estou bem. E o senhor?

-Maravilhosamente bem. Está uma bonita manhã. Não con­corda?

-É verdade. Não tinha reparado bem. - eu olho para o céu ao redor mostrando falso interesse.

-Senhor Whitman, minha esposa e eu gostaríamos que o se­nhor viesse ao churrasco que faremos no próximo domingo. Estamos chamando alguns vizinhos e a sua presença nos agradaria muito.

Enquanto ele fala, a minha atenção é desviada por um Mus­tang preto conversível que passa em disparada à nossa frente, freando subitamente em frente da casa ao lado da minha. Sim. Aquela casa. Sigo-o com os olhos. Quatro jovens gritam dentro do veículo e erguem os braços ao som de um rock pesado. Saltam ela, o namorado, e mais um jovem casal.

-Senhor Whitman? - Thompson me interpela.

-Ah! Sim!- eu volto o rosto para ele. - Seria um prazer. Obri­gado pelo convite.

-Então esperamos o senhor às 11 da manhã. - ele se despede acenando com a mão- Não se esqueça!

Agora minha atenção retorna à casa ao lado. Lá está ela, grudada ao namorado, que se apoia no carro. Ela atira as chaves para o outro casal. O amigo deles as apanha no ar e com elas abre a porta da casa, entrando com sua parceira. Ela diz alguma coisa ao casal, mas é interrompida pelo namo­rado que a puxa para si, beijando-a sofregamente e aper­tando o bumbum dela.

Eu fico observando eles fazerem isso sem se importar de esta­rem sendo vistos. Após algum tempo, eles entram.

A noite parece que vai ser novamente agitada.


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