Assisto ao noticiário da noite na TV. O notebook está sobre meu colo, mas eu digitei apenas dois parágrafos, se tanto.
O telefone toca, causando-me um leve susto:
-Alô! Pai?
-Oi filha! Tudo bem com você? Como vão as coisas aí na nossa velha Chicago?
-Tudo como sempre. Faz tempo que o senhor não liga. Nem responde às minhas mensagens no celular. Está tudo bem aí?
-Ah, filha. Você sabe que bem, bem mesmo não estou. Mas estou me sentindo melhor aqui em Cape May.
-O senhor ainda sente muito a falta da mamãe, não é papai?
-Sinto. Mas tento não ficar pensando nela. E escrevo para superar. Você sabe Cat, estou tentando uma nova vida aqui. Longe de tudo.
-Sinto sua falta papai. Sinto muito a sua falta.
-Também sinto a falta de vocês. E como está a pequena Penélope?
-A Penny está aqui no meu colo. Está tentando pegar o telefone. Acho que ela quer falar com você. Ela está tão grande... Queria tanto que você pudesse vê-la.
-Em breve eu verei vocês. É só questão de eu deixar as coisas aqui organizadas.
-Então ao invés disso eu posso ir aí te visitar?
-Claro filha! Vocês podem vir aqui quando quiserem.
-Nós iremos. Vou ter que desligar agora. Se cuida pai.
-Você também.
Após desligar, fixo o olhar no porta-retratos com a foto delas. Minha linda Catherine. Talvez você merecesse ter tido um pai melhor. Mais presente.
Na foto, ela está acompanhada pela sua adorável Penny, minha netinha. E também pelo marido dela, Bob. No fundo não gosto muito dele, mas já me acostumei em chama-lo de genro. Fazer o quê?
Em seguida, pego a foto de Lorraine, minha falecida esposa. Ela se foi há apenas dois meses. Não é fácil se acostumar com a ausência de alguém que te acompanhou boa parte da vida. Sinto muito a falta dela.
Desisto de escrever essa noite. Fecho o notebook e o coloco de lado. Tiro os óculos. Passo os canais procurando algo interessante para ver na TV. Encontro um programa de comédia. As piadas até que são boas, mas não acho muita graça. Para falar a verdade ultimamente nada tem me feito rir.
Desligo a TV. Subo as escadas até o meu quarto. Primeiro, olho para o binóculo, deixado no criado mudo, e a seguir para a janela. A vontade de repetir o ato da noite anterior é irresistível.
"É só um pouco. Se eu tomar cuidado ela não vai me ver". Tento racionalizar comigo mesmo enquanto pego o binóculo e parto para a janela.
Me posto por trás da cortina e procuro as janelas da casa ao lado. Me decepciono. Todas as luzes apagadas. Parece que não há ninguém lá. Ou, se está em casa, dorme um sono profundo. Porém descarto essa ultima possibilidade, pois não é tão tarde assim. Ela deve ter saído.
Não tenho alternativa senão deitar e dormir. Pelo menos essa noite não haverá barulhos para incomodar meu sono. Assim eu espero.
***
Logo ao acordar de manhã dou uma nova espiada na casa vizinha. Nenhum movimento. Nenhum sinal de vida. Bem, com certeza ela deve acordar tarde.
Após o banho e o café, seguindo minha "emocionante" rotina matinal, vou para a varanda ler o jornal. Hoje esse ato também serve como um pretexto para ver se ela vai aparecer.
Minutos se passam. Nada. De repente, ouço a voz pesadamente grave do senhor Thompson:
-Bom dia senhor Whitman! Como vai?- ele se posta à entrada da minha casa apoiado no seu ancinho.
-Bem, senhor Thompson, estou bem. E o senhor?
-Maravilhosamente bem. Está uma bonita manhã. Não concorda?
-É verdade. Não tinha reparado bem. - eu olho para o céu ao redor mostrando falso interesse.
-Senhor Whitman, minha esposa e eu gostaríamos que o senhor viesse ao churrasco que faremos no próximo domingo. Estamos chamando alguns vizinhos e a sua presença nos agradaria muito.
Enquanto ele fala, a minha atenção é desviada por um Mustang preto conversível que passa em disparada à nossa frente, freando subitamente em frente da casa ao lado da minha. Sim. Aquela casa. Sigo-o com os olhos. Quatro jovens gritam dentro do veículo e erguem os braços ao som de um rock pesado. Saltam ela, o namorado, e mais um jovem casal.
-Senhor Whitman? - Thompson me interpela.
-Ah! Sim!- eu volto o rosto para ele. - Seria um prazer. Obrigado pelo convite.
-Então esperamos o senhor às 11 da manhã. - ele se despede acenando com a mão- Não se esqueça!
Agora minha atenção retorna à casa ao lado. Lá está ela, grudada ao namorado, que se apoia no carro. Ela atira as chaves para o outro casal. O amigo deles as apanha no ar e com elas abre a porta da casa, entrando com sua parceira. Ela diz alguma coisa ao casal, mas é interrompida pelo namorado que a puxa para si, beijando-a sofregamente e apertando o bumbum dela.
Eu fico observando eles fazerem isso sem se importar de estarem sendo vistos. Após algum tempo, eles entram.
A noite parece que vai ser novamente agitada.
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A Estrangeira
RomansaUma misteriosa jovem transforma a vida de um escritor mais velho que acabou de perder a esposa.