Capítulo 16

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Na manhã seguinte à visita de Cat, estou no banheiro de frente para o espelho. Ela tem mesmo razão. Estou com uma aparência horrível. Barba grande e desleixada, magro, abatido.

Passo o creme de barbear no rosto. Encaro o barbeador. Depois de vários dias, ele se reencontrará com a minha pele.

Enquanto deslizo a lâmina, reflito nos momentos que passei com minha filha. Não imaginava que eu teria coragem de dizer o que disse a ela. De admitir que eu errei. De pedir perdão. Me sinto tão bem agora. Tão aliviado. Todo peso da culpa se foi.

Volto à minha rotina diária: tomar café na varanda lendo jornal enquanto assisto Thompson cortar a grama do seu jardim. Mas e Heidi? Ela ainda não apareceu. O que estará fazendo? Será que ela está bem?

Bato na porta dela. Quem me atende é um jovem alto, cabelos pre­sos num rabo de cavalo, braços tatuados, alargador nas orelhas, correntes nas calças.

Já conheço esse cara. É o namorado dela. Ele me olha de cima a baixo como um cão farejando outro.

-O que quer? –pergunta a voz grave

Ouço a voz de Heidi por detrás dele: - Quem está aí?- ela se apro­xima. -Oi senhor Whitman! Posso ajudar em alguma coisa?

-É... Só queria saber se você está bem.

-Sim. Estou bem. Por quê? Aconteceu alguma coisa? –é um mo­mento embaraçoso e ela tenta contornar a situação.

-Não... Mas nunca se sabe não é? Se precisar de alguma coisa é só me chamar.

-Pode deixar que eu chamo sim. Obrigada. –o namorado dela me olha com cara de quem não está gostando.

Enquanto me afasto da casa, ouço-os conversando no idioma de­les. Como sempre, não entendo nada.

De volta à minha varanda leio o jornal prestando atenção à casa dela, torcendo para o cara ir embora. Passam-se alguns minutos antes que o carro dele saia. Espero o veículo sumir de vista, me levanto e me dirijo à casa dela. Toco a campainha e ela não de­mora a me atender.

-Oi. –me adianto a falar- Voltei porque eu vi que seu namorado foi embora e eu precisava falar com você.

-Entra aí- ela abre a porta.

-Desculpe ter aparecido naquele momento. Espero não ter cau­sado nenhum problema entre vocês. - eu me sento no sofá.

-Tudo bem. Não teve problema nenhum.

Ela se senta de frente para mim. Me lança um olhar penetrante.

-Então, sobre o que quer conversar? - Deve ser coisa boa. O senhor parece feliz.

-Na verdade estou é mais aliviado.

-Me conte o que aconteceu. Fiquei curiosa.

-Eu e minha filha finalmente nos entendemos. E foi melhor do que eu poderia esperar, embora não estivesse esperando por isso. Eu consegui pedir perdão por não ter sido um pai presente e ela pronta­mente me perdoou. Não guardou mágoas. E ela até prepa­rou comida para mim. Pode acreditar nisso?

-Que bom ouvir isso. - ela sorri, mas é visível em seu rosto uma insatisfação.

-Hei, parece que a minha novidade te deixou triste. O que foi?

-Não... Eu estou feliz pelo senhor.

-Não. Você não está. Tem alguma coisa errada com você.

-Ah... -ela suspira-Enquanto o senhor falava, eu tentei imaginar meu pai fazendo o mesmo que o senhor fez. Dizendo a mim as coisas que o senhor deve ter dito à sua filha. Mas ele não seria capaz.

-Eu te entendo. Mas por que você não tenta conversar com ele? Quem sabe ele não quer se redimir com você? –enquanto eu falo ela parece pensar na sugestão.

-Eu acho que se ele quisesse já teria me procurado. –ela acena a cabeça negativamente.

-Talvez ele só precise de uma oportunidade como a que eu tive.

-Eu não sei. Eu acho que não.

-Ah vamos! Tente!

-Está bem senhor Whitman. Mas eu já sei qual será a resposta dele. Que está ocupado, que não pode me dar atenção agora, que está no meio de uma reunião... Isso se ele me atender- ela pega o notebook. O barulhinho de chamada por Skype ressoa por alguns instantes até que o pai dela atende. Ela parece surpresa.

Eles conversam no idioma deles. Não entendo nada do que dizem. De repente escuto uma voz, feminina, vinda do computador. Heidi fica agitada. Parece que começa uma discussão, pois ela aumenta o volume da voz. Fica irritada. Muito irritada. Até que fecha o note­book e abaixa a cabeça sobre ele.

Me aproximo e delicadamente levanto o seu rosto. Ela tem lágri­mas nos olhos.

-O que foi que aconteceu?

-Eu já devia esperar por isso.

-Esperar pelo quê?

-Meu pai... Está traindo a minha mãe.

-O quê? Isso é terrível. Mas, você tem certeza disso?

-Tenho. Ele estava com outra mulher num quarto de hotel

-Você pode ter se enganado.

-Não, senhor Whitman. Eu sei o que eu vi. Eles estavam íntimos. Ela até estava usando a camisa dele

-Eu... Eu não sei o que dizer. Me desculpe por te colocar nessa situa­ção.

-Eu ia acabar descobrindo, mais cedo ou mais tarde.

-Mas eu ainda me sinto culpado. Eu é que fiquei insistindo para você falar com ele.

-Não, senhor Whitman. O senhor não teve culpa. –ela se volta para mim. -O senhor tem algum compromisso, algo muito importante para fazer hoje?

-Não. Nada que eu não possa adiar. Por quê?

-O senhor quer passar o restante do dia comigo? -Estranho o pe­dido. Mas concordo.

-Mas e o seu namorado? Não volta?

-Não. Não precisa se preocupar. Ele não vai voltar hoje. E então? O senhor fica?

-Fico sim. Claro que fico. –me sento ao lado dela. Abraço-a de lado, apoiando sua cabeça no meu ombro direito. Acaricio seu cabelo e minha mão esquerda segura a sua mão direita, carinhosamente de modo a consolá-la.

Agora sou capaz de compreender o que ela está sentido e porque precisa tanto de mim aqui. Quer preencher o vazio deixado por seu pai, um vazio parecido ao que deixei na vida de Cat. Porém, não fui tão longe como o pai dela foi. Não traí Lorraine.

A EstrangeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora