Capítulo 9

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As ruas de Cape May estão vazias a essa hora.

Ela pede para pararmos num posto de gasolina. Eu a espero no carro observando-a. Após um tempo, ela volta da loja de conveniência com um saco de compras nas mãos. Pelo baru­lho de vidro dá para deduzir o que tem ali: garrafas de cer­veja.

-Mantimentos-ela ri enquanto entra no carro apertando o saco contra si.

Passamos pela praia e ela pede para encostar. Atendo. Ela salta rapidamente, correndo para a areia. Tira os boots. Me chama para lá gesticulando com a mão.

-Vem curtir um pouco senhor Whitman!- grita.

Dou de ombros. Tiro os sapatos, dobro as pernas da calça e caminho em direção a ela.

Heidi brinca na água como uma criança, correndo e chutando as ondas. A brisa mexe seus cabelos. Paro e fico observando-a lembrando-me da minha Lorraine. Ela gostava de fazer isso também.

Ela se volta e vem caminhando na minha direção.

-Estou com sede- senta-se na areia ao lado do saco que havia deixado ali. Pega duas garrafas de cerveja e estende uma para mim.

Eu pego a garrafa e me sento na areia com o saco entre nós.

Ficamos olhando o movimento das ondas. Heidi tira algo do bolso da calça. É um cigarro, mas dá pra ver que não é de tabaco. Acende-o e dá uma tragada. Pelo cheiro forte dá para saber que é maconha.

-Isso não é bom para você. - falo num tom paternal.

-Eu sei. Mas eu preciso disso agora. O senhor nunca fez isso quando era jovem?

-Não.

-Nem na faculdade?

-Meus colegas fumavam à vezes, mas eu nunca gostei.

-Bom, nunca é tarde para experimentar. - ela estende o ob­jeto de papel para mim.

-Não Heidi. - balanço a cabeça

-Qual é senhor Whitman? O senhor não vai morrer por causa de um tapa. Além do mais, parece que o senhor também está precisando relaxar um pouco.

Olho fixamente para o objeto que ela segura em minha dire­ção. Para falar a verdade sempre tive certa curiosidade de saber por que gostam tanto dessa coisinha fedorenta. Essa seria a oportunidade de descobrir.

Pego-o e coloco-o na boca.

-Puxe a fumaça, tampe o nariz e não deixe ela escapar.- ela me instrui. Não é fácil. A fumaça queima minha garganta. Não aguento. Solto-a de uma vez, tossindo. Heidi ri gostosa­mente.

-Isso é horrível. Como você pode gostar?

-Tente mais uma vez. É bom.

Tento de novo, dessa vez preparado para o que iria sentir. Consigo com esforço fazer o que ela me orientou e devolvo o cigarro a ela.

-E aí? Como foi dessa vez?- ela pergunta.

-Acho que consegui. – Ficamos revezando e contemplando as ondas arrebentarem até que eu quebro o silêncio.

-E os seus pais? Sabem como você está?

-Minha mãe sim. Já o meu pai... Mal tenho contato com ele.

-O que ele faz?

-Ele trabalha com dinheiro. Bolsa, investimentos, esse negó­cio aí. Sei lá. Essas coisas são a vida dele.

-E você? O que te trouxe para a América?

-O senhor promete que não vai contar para ninguém?

-Prometo, claro. É algo tão sério?

-Matei alguém em meu país e estou fugindo da polícia. -ela diz isso num tom tão sério que me deixa um pouco assustado. -Brincadeira. –sorrio aliviado. -Devia ter visto a sua cara senhor Whitman.

-É. Você foi bem convincente.

Ela suspira: -Na verdade estou aqui em busca de novas experi­ências na "Terra da Liberdade". - faz o gesto de aspas com os dedos.

-E já as encontrou?

-É. Acho que sim.

-Como o quê, por exemplo? Estar na praia à noite fumando maconha com um homem bem mais velho?

-É. É sim. –ela ri- E estou gostando muito. Mas ainda há muito mais para aproveitar na América. - ela diz isso olhando direto para mim. Sinto-me tentado a beijá-la. Me pergunto o que ela quer com tudo isso. Seria apenas um jogui­nho? Ou uma fantasia de estar com um homem que tem idade para ser seu pai?

-E você? O que você faz?- a questiono.

-Eu fazia faculdade de artes em Amsterdã. Larguei e abri um estúdio de tatuagem aqui na cidade. Fica na Broadway. Passe um dia lá. Quem sabe eu faço uma tatuagem no se­nhor.

-Fazer uma tatuagem? Acho que não.

Continuamos conversando sobre assuntos banais. A maconha começa a tornar qualquer coisa engraçada. Rimos à vontade. Gargalhamos.

Passam-se alguns minutos antes de eu recobrar a consciên­cia do que estamos fazendo.

-Temos que voltar. Seus amigos devem estar preocupados.

-Deixe eles me procurarem um pouco, quando for a hora certa eu apareço. - ela abre outra garrafa de cerveja e bebe um gole. -E a sua esposa senhor Whitman? Me fale sobre ela.

-Lorraine era uma mulher incrível. Nos conhecemos na facul­dade. Era determinada, linda. E ela se parecia com você quando jovem.

-Sério senhor Whitman?

-Sim. Não só na aparência, mas nessa vivacidade que você tem. Essa vontade de se aventurar. É igual a que ela tinha. Nos amávamos muito quando nos casamos. Mas depois fun­dei minha editora e passei a me dedicar demais ao trabalho. Não dava a atenção que ela e a nossa filha mereciam. E a vida passou muito rápido. Quando eu me dei conta Lorraine já estava gravemente doente. Se tivesse lhe dado atenção antes talvez conseguíssemos impedir que a doença se espa­lhasse. Foi minha culpa.

-Não, senhor Whitman. O senhor não teve culpa.

-Você não sabe nada, Heidi. Eu tinha tempo para o trabalho, para os amigos, mas não para a família. E hoje, estou aqui, sozinho, e até o que eu mais gostava de fazer, que é escrever não consigo mais. Sou um fracassado.

Ela não me diz nada. Apenas segura a minha mão. Talvez não tenha a dizer que me console. Ou talvez esteja entediada de me ouvir.

-Vamos voltar. - ela se levanta e pega seus boots. Caminha­mos em direção ao carro.


A EstrangeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora