Capítulo 20

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Passaram-se três dias desde a última vez que a vi. Estou de volta da viagem que tive de fazer a Chicago. Estou comendo donuts jogado no sofá enquanto assisto TV.

Penso em Heidi. Como será que ela está? Como deve estar lidando com os seus problemas? Pego o celular que está na mesa de centro e ligo para ela. O telefone dela está indisponível. Deve estar descarregado ou algo assim.

Decido dar uma olhada na casa dela a partir de meu quarto. Tudo fechado. Será que ela já se mudou? Não, não é possível. Teria sido muito rápido e ela não iria embora sem se despedir de mim, nem que fosse por um telefonema. Vou lá verificar.

À frente da casa está fincada uma plaquinha de VENDE-SE. Tudo bem, penso, ela disse que ia pôr a casa à venda, mas ela ainda pode estar por aqui.

Toco a campainha algumas vezes. Nenhuma reação de dentro. Nenhum barulho, nenhum movimento. Nada.

Volto para casa meio desapontado. Ligo para ela novamente. De novo dá desligado. Desisto. Sento-me no sofá me sentindo um pouco frustrado.

Vou para o quarto escrever. Faço isso por um bom tempo. Só paro alguns instantes para comer alguma coisa. Escrevo compulsivamente e, quando olho pela janela, vejo que já anoiteceu. É hora de parar.

Me levanto e vou até a janela na esperança de ver algum movimento, alguma luz acesa na casa ao lado. Ou até mesmo vê-la, nem que fosse a última vez. Mas nada. Absolutamente nada. Nenhum mínimo som vindo daquela casa de onde provieram tantos barulhos que não me deixaram dormir.

Por fim tomo um banho e vou dormir.

De manhã ligo para minha filha.

-Cat, como você está?- falo ao telefone enquanto tomo meu café.

-Oi papai, não esperava que o senhor me ligasse tão cedo.

-Fiquei com saudade, então eu quis ouvir a sua voz. Espero não estar te atrapalhando.

-Não. De jeito nenhum papai.

-Estava pensando em chamar você, Bob e Penny para passarem um fim de semana aqui comigo. Curtir a praia, sair da agitação de Chicago, desestressar um pouco.

-Claro papai! Seria ótimo! Bob iria adorar- ela se entusiasma com o meu convite inédito.

-E dessa vez ninguém irá nos atrapalhar.

-Do que o senhor está falando?

-Daquela vez que você veio e fomos interrompidos pela minha vizinha.

-Ah... Eu não... Penny! Só um minuto... - minha neta deve estar aprontando alguma- Pai, preciso desligar. Podemos conversar mais tarde? A gente pode combinar melhor.

-Está tudo bem aí?

-Está sim. É que estou sozinha com a Penny e não posso desviar os olhos dela um só minuto.

-Tá bom filha. Se cuide.

-O senhor também.

Meus pensamentos se voltam de novo para Heidi. Tenho que vê-la de qualquer maneira. Termino meu café e troco de roupa.

Há um carro diferente estacionado à frente da casa dela. A porta está aberta e instintivamente entro na casa. Está vazia e meus passos ecoam por ela. Há vozes ao fundo.

Entram na sala cinco pessoas. Duas mulheres, um homem e duas crianças. Uma das crianças segura a mão do homem e outra está no colo de uma das mulheres.

-Essa casa é perfeita para uma família como a de vocês... - a mulher com roupa social fala gesticulando para o casal até que eles desviam o olhar para mim, que estou parado no meio da sala.

-Posso ajudá-lo senhor? –a mulher de roupa social fala comigo, passada a surpresa com a minha presença.

-Anh... –eu respondo- Eu sou o vizinho ao lado e vim ver se a proprietária ainda estaria aqui. Ela deve ter acabado de se mudar.

-Deve estar havendo um engano senhor. A casa já está desocupada faz dois anos desde que a antiga proprietária morreu.

-Morreu? – tomo um choque. - Como assim morreu? Eu estive com ela semana passada. Falei com ela. Ela estava morando aqui. –eu aponto para o chão.

-Lamento senhor, mas o senhor deve ter se enganado. E, se me permite preciso continuar mostrando a casa. Se estiver interessado no imóvel, podemos marcar sua visita.

-Não. Não. Não estou interessado. Desculpe atrapalhar. - percebo que todos me olham estranho, como se eu fosse um louco.

Saio meio atordoado. Volto para minha casa. Antes de subir a escadinha da varanda ouço uma voz familiar:

-Bom dia senhor Whitman!

Me volto e vejo Thompson, como sempre aparando seu gramado. Ele se aproxima:

-Está tudo bem?

-Sim. Sim. Estou bem. - respondo com impaciência - Thompson, eu preciso que você me esclareça uma coisa.

-Sim- ele acena com a cabeça sorrindo.

-Tinha uma moça que morava até a semana passada aqui na casa ao lado- eu aponto efusivamente com as mãos para a casa de Heidi. –O senhor sabe me dizer quando ela saiu? Sabe quando ela foi embora? Viu o movimento da mudança?

-Como assim senhor Whitman? É alguma brincadeira? Não estou entendendo.

-Não. Eu é que não estou entendendo nada Thompson. –me altero elevando o tom da voz—Você estava comigo quando ela chegou de carro com os amigos. Você a viu entrar na casa. – aponto o dedo em direção à casa.

-Acho que o senhor está um pouco confuso.

-Vamos lá! Era uma moça com sotaque estrangeiro. Ela botava música alta que não me deixava dormir. Ficava se agarrando com o namorado em frente à casa. –Ele nega balançando a cabeça. E isso me deixa mais nervoso - Pare de mentir Thompson! –grito - Você a viu!- Seguro-o pelos ombros, tentando extrair alguma reposta que me mostre que eu não estou louco.

-Me solte Whitman. – ele ergue os ombros para se soltar e fala de um jeito que eu nunca o ouvira falar. - Eu não sei do que está falando. –ele se ajeita- Há tempos que eu tinha percebido que você parecia obcecado por aquela casa. Sempre falando dela, olhando-a de um jeito estranho, indo até lá. Eu não dava importância a isso, mas agora vejo que o senhor está realmente precisando de ajuda.

-Não, não estou. –mas no fundo acho que estou perdendo o controle.

-Querido está tudo bem aí?- a senhora Thompson grita desde a porta da casa deles, com certeza atraída pela gritaria.

-Está sim. Está tudo bem.

Caio em mim. –Ah... Desculpe Thompson. – volto para casa desnorteado.

Frente à porta de minha casa me volto para o lado e vejo Thompson ainda parado no mesmo lugar me olhando fixamente.

Entro em casa tentando entender o que está acontecendo. Não, eu não estou louco. Será que tudo isso é um complô? Uma brincadeira de mau gosto? Preciso de respostas. Acho que já sei onde posso encontrá-las.


A EstrangeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora