À tarde percorro a Broadway, procurando o estúdio de tatuagem dela. Quando eu o encontro, estaciono na primeira vaga disponível. Estou ansioso para falar com ela. Entro na loja. O ambiente é muito limpo. Paredes forradas com desenhos um tanto assustadores. Um som de rock instrumental é a trilha sonora de fundo, bem baixa, sem incomodar. Aproximo-me do pequeno balcão. Um homem forte tatuado nos braços e com alargador nas orelhas me atende. Apesar da aparência rude, sua expressão é amigável.
-Boa tarde. Em que posso ajudar?-ele me pergunta.
-Eh... Eu gostaria de falar com a Heidi. Ela está?
-No momento ela está ocupada.
-Eu posso espera-la então.
Aguardo por meia hora folheando revistas sem muito interesse. Clientes chegam. Clientes saem. Finalmente ela aparece.
-Senhor Whitman. - ela se aproxima.
-Heidi. - me levanto
-O que o senhor quer aqui?
-Preciso falar com você. Podemos ir a outro lugar?
-Já estou indo para casa. Podemos conversar lá.
-Perfeito! Eu posso te levar- me entusiasmo.
-Tá. Mas antes preciso passar no mercado.
-Tudo bem.
***
Ela apanha alguns pacotes de biscoitos na prateleira. Mas a maior parte da compra são bebidas alcoólicas.
-Acho que é o suficiente- ela conta a quantidade de bebidas que está levando.
- Vai dar uma festa?
-Não. São para mim mesmo. Preciso reabastecer minha geladeira.
Chegamos à casa dela. Ela leva as bebidas para a geladeira. Pega duas garrafas de cerveja que já estavam lá e me oferece uma.
-E então. Sobre o quê o senhor quer falar?-ela encostada à pia
-É sobre aquela última noite em que estivemos juntos. Não queria que fosse daquela maneira. Me desculpe.
-Tudo bem. - ela me responde antes de levar a garrafa à boca.
-Tudo bem?- Fico surpreso
-Uhum.- ela responde terminando de beber a cerveja.
-Você não ficou chateada? Decepcionada?
-Na hora sim. Mas já passou. Não fiquei chateada de verdade.
-Então esse tempo todo você não...
-Não. Não. Acho que foi mais uma frustração momentânea.
Ela vai para a sala e eu a sigo.
-Fiquei aliviado. Cheguei a pensar que não nos veríamos mais.
-E isso seria ruim?
-Claro que sim. Seria péssimo. –eu suspiro -Sabe, na mesma noite eu tive um sonho com você.
-Eu sei. - olho fixamente para ela, pego de surpresa pela sua resposta. Como assim ela sabe?
-Você sabe?
-É brincadeira senhor Whitman! O senhor leva tudo sempre tão a sério! Mas e o sonho? Foi bom?
-Na verdade foi assustador.
-Quer me contar?
-Foi um pouco confuso. Acho que você não entenderia.
-Tudo bem. De qualquer forma é bom saber que estou nos seus sonhos. - ela sorri de um jeito provocador, como se realmente soubesse com o que eu sonhei.
-Bem, acho que devo ir. – preparo para me levantar
-Não! Fique senhor Whitman
-Tem certeza? De repente seu namorado aparece e pode pensar que nós...
-Não. Ele não vem hoje. Está enrolado com os negócios do pai dele.
Me acomodo novamente na poltrona.
-Vocês não tem se visto muito ultimamente, não é?
-É. Tem sido um pouco difícil, já que o pai está integrando ele aos negócios.
-Tem sentido a falta dele?
-É. Sim.
-Como vocês se conheceram?
-Internet.
-Você deve gostar muito dele não é?
-É... Sim... Gosto- ela não demonstra firmeza na resposta.
-O que seus pais acham de vocês juntos?
-Minha mãe não sabe muito sobre ele. Mas quer conhecê-lo. Insiste que eu o leve quando eu for visitá-la.
-E o seu pai? O que ele acha?
-Meu pai nem liga. - é visível a decepção em seu rosto- ele não liga para nada- ele vira a garrafa.
-Por que você diz isso?
-Eu não estou exagerando. Ele nunca se preocupou comigo. Nem com a minha mãe. O trabalho sempre foi a prioridade e nós ficamos em segundo plano.
-Você pode não estar sendo justa. Talvez ele tenha se sacrificado pelo bem-estar vocês.
-É isso o que ele diz. Queria poder acreditar. Mas não foi assim. Ele nem percebeu que eu tinha crescido. Até pouco tempo atrás ele ainda achava que eu era uma menininha. E quer saber mais? Desde que eu vim para a América, ele nunca me ligou.
-Então você acha que seu pai não te ama?
-Acho que ele é um egoísta. Só se importa com os seus interesses. Quem ama se importa com outro. Quer saber se está bem. Não estou falando de dinheiro, mas sim de se interessar por mim. Saber com quem me relaciono.
Ouvindo-a falar me questiono se Cat pensa o mesmo de mim. Será que Lorraine também pensava assim? Meu Deus, o que foi que eu fiz? O melhor, o que foi que eu não fiz?
Ela se levanta encerrando o assunto:
-Vamos misturar as bebidas. - ela diz, empolgada indo para a cozinha.
Coloca frutas sobre o balcão e pega todas as bebidas que têm guardadas e vai fazendo algumas misturas no liquidificador. Como limão ao leite com vodca, cereja ao leite com vodca entre outras misturas e bate.
Ao vê-la misturar leite condensado com vinho questiono:
-O que é isso? O que você vai fazer?
-Você vai ver.

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A Estrangeira
RomanceUma misteriosa jovem transforma a vida de um escritor mais velho que acabou de perder a esposa.