Capítulo 13

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Estamos largados no sofá, rindo de qualquer coisa, principal­mente de coisas que ela diz no idioma dela e eu não entendo nada. Nossa voz já está pastosa.

-Se importa que eu fume um pouquinho?- ela me pergunta rindo

-Fique à vontade. A casa é sua- respondo gargalhando por nada.

Ela acende um cigarro. Está com a perna esquerda cruzada atrás da direita, o peito do pé encostando-se à panturrilha. O braço esquerdo ela apoia no sofá e com essa mão segura o cigarro. Com a mão direita segura a taça. A imagem dela assim é perturbadora para mim, me deixando inquieto. É como se eu visse Lorraine e Cat misturadas na mesma pes­soa.

-Por que o senhor está me olhando assim?

-Você está muito sensual- não sei como tive coragem para dizer essa frase. Deve ter sido a bebida falando por mim.

-Gostou? Tire uma foto...

Eu entendi a ironia, mas mesmo assim repondo: - Não. Quero guardar essa imagem somente na minha memória.

-Senhor Whitman... Quando o senhor me viu no meu quarto, o que estava pensando?

-Eu não sei exatamente. Estava buscando uma inspiração, e daí vi você e foi tudo tão rápido. Você me viu e eu não soube o que fazer.

-E eu fui útil?

-Você é a melhor inspiração que um artista pode ter, mas tem algo de errado comigo.

-Me senti violada quando eu vi o senhor me espiando. Mas ao mesmo tempo

... Eu gostei.

-Eu deveria ter me desculpado. Lamento por aquilo. Foi er­rado. Mas você me deu o troco.

-Acho que sim. –ela ri- Foi perverso fazer aquilo com o se­nhor na frente de todos.

Eu rio: - Eu mereci.

-Vou pegar mais uma bebida para a gente. –Ela se levanta.

-Eu estou bem

Ela vai até a cozinha, faz mais uma mistura e volta com um copo de uma bebida rosa.

-O que é exatamente isso aí?

-Esse é o melhor. Sempre deixo por último. Coquetel de fru­tas vermelhas. É uma delícia senhor Whitman. Tem certeza que não quer?

-Não. Já estou bem alcoolizado. Obrigado.

Ela senta-se no sofá virada para mim e segurando o copo. Olhando para ela dou uma risadinha.

-O que foi senhor Whitman? O que tem de engraçado agora?

-Estava lembrando o primeiro dia em que te vi. Você estava brava, expulsando seu namorado da sua casa. O que foi aquilo...

-Eu estava com muita raiva. Pensei que ele estava me traindo.

-E ele estava?

-Não. Tudo se esclareceu.

-Que bom.

-É, porque ele é a única pessoa próxima que eu tenho aqui. Alguém em quem posso confiar. Eu acho.

-Agora você também tem a mim para confiar. Se você quiser. -Nesse momento me dou conta de que nunca disse essas pala­vras à minha filha.

-Obrigada. –ela abaixa a cabeça. Bebe um gole da bebida e permanece com a cabeça baixa, segurando a taça com uma mão e roçando nela os dedos da outra mão.

–Ei, o que foi?- percebo que ela está chorando. – Falei al­guma coisa que não deveria?

-Não. Eu fiquei feliz em ouvir isso senhor Whitman. Mas eu queria... Nem que fosse uma vez... ouvir isso do meu pai. - ela levanta o rosto com lágrimas nos olhos.

Me aproximo dela. Enxugo suas lágrimas com os dedos. Nesse instante por trás da jovem sombria que eu conheço surge uma menina carente de atenção. E eu a abraço.

-Sinto muito. Queria poder fazer algo para mudar isso.

Queria dizer a esse cara que ele tem uma filha maravilhosa. E valorizar a família que tem. E não cometer o mesmo erro que eu... Espere aí. Ele sou eu. E não está fez nada de dife­rente do que eu estou fazendo até agora. Mas eu ainda tenho tempo de consertar.

-Eu sei. –ela fala ainda encostada ao meu peito. -Eu já sou adulta, sou independente, e toda aquela história, mas essas coisas me fazem falta. Pensei que fosse lidar bem com isso quando crescesse, mas não tem sido fácil.

-Em qualquer idade precisamos de carinho. –Acaricio os cabe­los dela de modo paternal. Reflito em minhas próprias palavras. Então é assim que Cat se sentiu toda a sua vida.

Acordo com a cabeça dela numa almofada sobre o meu colo. Não sei quanto tempo fiquei apagado. Olho no relógio de pulso. Cuidadosamente levanto a almofada que apoia a sua cabeça. Me levanto devagar deixando-a dormindo sobre o sofá.

Devagar me dirijo à porta da sala. Abro, saio, tranco e jogo as chaves por baixo da porta.

Quando chego em casa, atiro as chaves da porta sobre a mesi­nha de centro. Não me sinto bem. Nada bem. Talvez um banho melhore esse mal-estar.

Há um aperto no meio peito. A imagem de Heidi chorando e as palavras dela não saem da minha cabeça.

Entro no banheiro. Arranco minha roupa e a atiro no cesto. Debaixo do chuveiro, abaixo a cabeça e choro amargamente.

"Sou um merda! Deixei tudo escapar pelas mãos! Tudo!" Penso, enquanto dou um soco na parede com o punho da mão direita cerrado.

A EstrangeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora