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Eu passei a noite em claro, a ansiedade me consumiu num ponto que nem remédio ajudaria naquele momento. Me levantei e fui tomar banho, além da escola hoje tenho psicóloga, sim, são duas vezes na semana, não entendi por que minha mãe decidiu mudar as consultas. Tomei banho e me troquei, fiz um rabo de cavalo, passei um pouco de base e corretivo na tentativa de esconder as olheiras que estavam mais que evidentes. Olhei no relógio e já era 12:00, peguei minha mochila e sai rapidamente do quarto, passei na cozinha e tomei meu remédio que a Sandra havia separado, sem falar com ninguém eu sai de casa. Na portaria chamei um Uber e em pouco tempo eu já estava na escola.

- bom dia amor- Augusto beijou minha testa

- sai de perto de mim- empurrei ele

- que foi Cailly? Você não tinha me desculpado?- ele voltou a se aproximar

- sai caralho- eu gritei

- sai Augusto- Anne se aproximou- não é a mesma Cailly de ontem

Ela segurou minha mão e me guiou até a sala, seu cabelo que era um castanho longo e comprido, agora está a cima do ombro com as pontas verdes. Me sentei na mesa e ouvi o sinal tocar anunciando o primeiro horário. O professor de matemática entrou e Anne foi até a mesa dele dizer algo, enquanto isso os outros alunos entravam com suas mochilas e livros em mãos. Anne voltou para seu lugar e o professor começou a explicar algo sobre algebra, eu não estava prestando atenção pra falar a verdade, conseguia ouvir sua voz, mas era como se a voz dele não entrasse em minha cabeça.

- professor- o chamei- preciso ir ao banheiro

- estamos na primeira aula Cailly, vocês acabaram de entrar- ele coloca o caderno sob a mesa- você consegue segurar

- eu estou menstruada- falei e ouvi risadinhas vindas do fundo da sala

- se é assim, você pode ir- ele disse e eu me levantei e fui logo saindo da sala

Já no corredor coloquei os fones de ouvido e coloquei a playlist no aleatório a primeira música era Diaba - Urias uma das minhas favoritas, e me causava euforia. Entrei no banheiro e me encarei no espelho, não gostava nenhum pouco da imagem que ali estava sendo refletida. Quando percebi eu havia dado um soco no espelho, o vidro havia se quebrado e entrou pequenos cacos em minha mão, e eu continuei, socos e mais socos no vidro que ia se quebrando cada vez mais. Quando finalmente me cansei pude ver o sangue escorrendo de meus punhos e a quantidade de vidro no chão. Alguém entrou no banheiro, era uma das coordenadoras, ela falava algo, mas eu não ouvia por conta do fones

- te fode- mostrei os dois dedos do meio para ela e sai do banheiro

Fui até a secretaria e me sentei num dos bancos que havia ali, até alguém aparecer junto com a coordenadora e perceberem que teriam que chamar minha mãe, mas eu sinceramente não me importo. Foda-se, chamem quem quiser, ninguém vai me controlar de verdade. Outra bronca? Uma suspensão? Mais dias no centro de reabilitação? Foda-se, eu realmente não ligo. As músicas continuaram a tocar nos meus fones, a intensidade sempre é a melhor coisa pra mim, como a música mais alta. Sou apaixonada por intensidade, o raso não me completa. Caminhei até o balcão onde deveria ficar uma secretária, que não estava ali, a coordenadora já havia ido para a sala dela, provavelmente comunicar minha mãe. Fui do outro lado do balcão e me sentei na cadeira giratória vermelha, vi que ali havia um isqueiro, provavelmente da funcionária que era fumante, que perigo, deixar isto tão exposto, imagina que alguém fizesse algo de ruim. Eu peguei uma lixeira que estava de baixo da mesa, rasguei algumas folhas de papel e joguei dentro dela, antes que eu pudesse acender o isqueiro alguém tomou ele da minha mão.

- que droga em- disse tirando o fone e observando a senhora de cabelos cacheados

- o que você tá fazendo aí menina? Não deveria estar em aula?- ele perguntou irritada

- não se preocupe Adriana- a coordenadora surgiu- a mãe dela está vindo buscá-la

- ótimo, a mamãe está chegando- sai de trás do balcão- manda alguém ir buscar minha mochila

Disse colocando dos fones novamente, minutos se passaram, o guardinha trouxe minha mochila e minha mãe chegou, ela me olhou e eu dei um tchauzinho para ela antes que entrasse na sala da diretora. Isso é algo comum para mim, eu tenho consciência dos meus atos, sei que são perigosos e que eles tem consequências, agora perguntem se eu ligo. Desde criança fazendo coisas absurdas, batendo em coleguinhas e tias na escola, cuspindo em pessoas que brigavam comigo, eu tenho problemas, eu sei, mas não consigo controlar os atos impulsivos, e eu não tenho empatia, então eu não ligo quando machuco as pessoas. Mas pela primeira vez eu me senti mal, ontem quando vi que tinha feito burrada com o garçom, eu me senti culpada, e eu odeio a sensação de culpa.

filha do tráfico - segundo livroOnde histórias criam vida. Descubra agora