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As aulas acabaram, me despedi da Anne e do Matheus, sai da escola e fui caminhando até a praia, o sol já estava se pondo. Não demorou muito e cheguei, e eu fui até o quiosque me sentei em uma das mesinhas de plástico e esperei até ser atendida.

- boa tarde, posso ajudar?- um Senhor perguntou

- ah, claro- eu falei- eu gostaria de ser atendida pelo Bernardo, ele tá aí?

- só um minuto, vou chamar ele- o homem guardou o bloco de notas no avental e saiu andando

- é, você tá me seguindo- ele apareceu sorrindo

- o que? Eu?- sorri também- só queria ser atendida pelo melhor garçom do Rio

- o mesmo de ontem?- ele pergunta

- sim sim- bati as mãos sob a mesa- o mesmo de ontem

- ja volto loirinha- ele saiu

O barulho do mar é algo aconchegante, a praia estava quase vazia, podia ouvir algumas pessoas conversando e algumas crianças tagarelando. Ele me trouxe a comida e sorriu mais uma vez

- se quiser esperar eu te levo em casa denovo- ele coçou a nuca

- hmm, não sei- abri a latinha de coca- quem sabe

- idiota- ele sorri e sai

Eu estou me sentindo muito bem em dias, e mais uma vez não tomei meu remédio, minha mãe fez questão de me fazer colocar na boca mas, ela não esperava que eu colocasse debaixo da língua e depois jogasse no vaso. Eu estou me sentindo bem, talvez nem precise mais dos remédios.

°°°

- quer entrar?- perguntei parando em frente ao meu prédio

- sei não, seu pai pode me expulsar- ele colocou as mãos no bolso

- não moro com meu pai, e minha mãe não vai te expulsar- falei

- então tá- ele disse e eu me senti eufórica

Entramos e ele deu boa noite pro porteiro, em silêncio ficamos dentro do elevador, parecia que o tempo não passa, que está tudo em câmera lenta. Finalmente chegamos em meu andar, abri a porta de casa e dei passagem para ele entrar.

- Cailly? Finalmente chegou- minha mãe disse enquanto observava o garçom- quem é você?

- oi, eu sou o Bernardo- ele parecia tímido

- esse é o garçom- eu dei risada- ele me trouxe pra casa

- obrigada querido- minha mãe sorriu- vai ficar pra jantar? Eu estou de saída mais a Sandra tá terminando a comida

- vai onde?- joguei a mochila no chão

- conversar com um amigo- ela falou, e pegou a chaves do carro

- acho que vou embora- Bernardo se pronunciou

- que nada, vai jantar comigo- falei puxando ele

- tchau Cailly, até mais tarde- minha mãe beijou minha testa- se comporta e não esqueça do remédio

- sim senhora- falei

Ela saiu e eu continuei puxando Bernardo até meu quarto, onde finalmente soltei a manga de seu moletom. Ele olhou para os lados e se manteve parado na porta.

- gostou do meu abatedouro?- perguntei sarcástica

- seu o que?- ele deu risada- imaginava seu quarto de outra forma

- como?- me sentei na cama e tirei os tênis

- sei lá, talvez com as paredes rosas- ele fala e eu dou risada, mal sabe ele que rosa é a pior cor do mundo pra mim

- gosto de azul- falei olhando as paredes brancas, exceto uma que era azul com algumas nuvens

- eu acho que vou embora- ele sorriu sem graça- talvez minha mãe brigue comigo por chegar tarde

- mais cinco minutinhos?- fiz um biquinho- sua presença tá me fazendo bem

- olha Cailly- ele coça a nuca, já percebi que é uma mania que ele tem quando fica sem graça, e sinceramente eu adoro- não acho que seja legal eu ficar na casa de uma mina que eu bem conheço direito e que namora

- ah, entendi- falei seca- então pode ir embora

- foi mal- ele se aproxima- quer um abraço?

- tchau garçom, você sabe onde é a porta- me levantei e me afastei dele

- sério? Você vai ficar irritada?- ele se demonstra chateado

- vai embora caralho- falei irritada- não é isso que você quer? Some daqui então

- infantilidade é o nome né?- ele me olhou por mais alguns segundos e logo saiu

Senti minha bochecha ficarem quentes, eu não posso chorar, principalmente por ele, que não passa de um garçom. Sem pensar duas vezes eu saí atrás dele, somente de meias, o elevador estava ocupado e a espera só me deixa mais nervosa, então decidi descer de escadas, moro no quarto andar, não são muitos degraus, certo? Corri rapidamente até as escadas de emergência, cada degrau parecia um século. Finalmente cheguei no térreo, talvez tenha demorado mais do que imaginava, procurei por ele mas não entrei, então sai do prédio, a rua estava lotada, vários carros, pessoas, ambulantes, corri um pouco até virar a esquina, onde encontrei ele num ponto de ônibus

-ei- coloquei a mão no peito, estava sem ar e então ele olhou para mim- volta lá por favor

- você acha que pode me tratar igual lixo, vir aqui e pedir pra voltar, que vai estar tudo bem?- ele deu risada- para de ser escrota

- eu vim te pedir desculpas idiota- meu coração estava acelerado, eu posso ter um infarto a qualquer momento

- certo- ele me olhou de cima a baixo- eu não te desculpo, por favor não volte a me procurar

Era como uma faca tivesse atingido meu estômago. O ônibus chegou e ele entrou, sem olhar para trás, nem nada do tipo, talvez eu realmente tivesse machucado ele, agora eu sinto que toda ação tem uma reação, sinto remorso pelo o que fiz. Pela primeira vez eu me sinto culpada por algo.

filha do tráfico - segundo livroOnde histórias criam vida. Descubra agora