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Pov's Cailly

Tocaram em mim, me usaram como lixo, e é exatamente assim que eu me sinto, um lixo. Nessa tarde eu fui abusada sexualmente, me morderam, cuspiram em mim, conseguiram me deixar sem andar. Sexo deveria ser tão doloroso assim? Eu me sinto suja, é como se meu corpo não fosse mais meu, e isso tá doendo. Eu não consigo fechar os olhos e não ver o Augusto em cima de mim, eu me lembro de cada grito que eu dei, até que minhas cordas vocais cansarem, lembro de cada lágrima que escorreu por minhas bochechas. Existia um relógio na parede, eu lembro de contar cada segundo como se fosse o meu último, mas parece que aquilo nunca iria ter fim.

Eu fui estuprada dentro da escola, ninguém viu, ninguém ouviu, as câmeras estavam funcionando? Cadê os coordenadores? O vice diretor? Os professores? Onde estavam todas essas pessoas no momento que usavam meu corpo?

- boa noite Cailly- uma médica entrou no quarto- você pode conversar comigo por um momentinho?- eu continuei em silêncio e ela se aproximou da cama- eu sei que era o doutor Alves que estava te atendendo, mas eu achei que você se sentiria mais confortável comigo- ela sorriu de canto- eu pedi pra sua mãe ficar lá fora, pois o assunto é sério... Machucaram você, e machucaram muito, sua vagina foi rasgada, seu útero sofreu uma hemorragia e você tem marcas por todo seu corpo. Você é dona de si, você tem total controle sob si, isso aconteceu com você durante as aulas, eu não consigo entender como ninguém presenciou isso, e pelo o que eu entendi, a desculpa que a diretora deu foi que as câmeras da escola foram ranqueadas e exatamente a do corredor da biblioteca e da biblioteca estavam desativadas, eu tô aqui pra te ajudar, você pode confiar em mim, eu tenho sua ficha médica, eu sei que você tem transtornos psicológicos, você faz psicoterapia e vai ao Psicólogo toda semana. Você não pode carregar essa dor somente para você. Por favor, me conta quem fez isso com você, não podemos deixar acontecer denovo, com outras alunas ou até mesmo com você.

- eu tô com medo- eu falei, eu não chorava mais, talvez não tenha mais água em meu organismo

- eu sei, mas confia em mim...- ela passou a mão no meu cabelo que estava preso em um rabo de cavalo

- tudo bem, eu vou te contar...- eu respirei fundo

°°°

Em mais ou menos uma hora e meia eu consegui contar tudo o que aconteceu. Nesse tempo eu tive que fazer pausas, pois eu voltada a chorar. Uma policial também conversou comigo e logo foi embora, amanhã eu tenho que comparecer a delegacia. Minha mãe acompanhou meu depoimento com a polícia, a todo momento eu pude ouvir ela chorar. Eu finalmente pude tomar banho e comer algo, na televisão passava algum jornal aleatório e eu estava tentando entrar em contato com o Bernardo, que não atendia as minhas ligações e ignorou minhas mensagens. Eu encarei a televisão e vi que um corpo de um jovem foi encontrado.

- aumenta a TV mãe- eu falei e logo minha mãe apertou os botões do controle fazendo o que eu pedi

- por volta das 21 horas o corpo de um jovem foi encontrado perto da comunidade da Rocinha- a repórter falava- o jovem estava com os dois olhos perfurados, uma de suas mãos foi cortada fora junto com sua genitália- meu coração batia mais forte a cada palavra que saia da sua boca, meu estômago queimava, que sensação é essa?- o corpo pertence a um jovem de dezoito anos que se chama Augusto da Rocha Lima

Era o Augusto, o Augusto está morto, eu não posso acreditar, eu ouvi minha mãe me chamar mas eu não conseguia entender suas palavras. Me sinto anestesiada, tudo ao meu redor está girando, a única coisa que me vem em mente é o Bernardo dizendo que iria matar ele...

filha do tráfico - segundo livroOnde histórias criam vida. Descubra agora