No dia seguinte eu ainda me sentia fraco e enjoado. O meu corpo em si não doía, mas bastava eu fechar os olhos para sentir o choque me queimando. Pior do que me sentir quebrado por fora era me sentir quebrado por dentro.
Eu comi minha metade do almoço sem nem reparar no gosto. Que diferença fazia? Eu entreguei ao mestre a porção dele e ele recusou com um gesto da mão.
"Não, hoje você come tudo, precisa se recuperar." Disse ele.
"O senhor não pode passar fome por culpa minha."
"Eu sou apenas um velho acabado e você é a esperança do oceano, jovem oráculo. Alimente-se bem, não será um problema para mim."
Eu bufei e deixei a tigela no chão, não estava com paciência de discutir.
"Bem, quando quiser comer está ali, senão deixamos estragar. Vai que o gosto fica melhor depois de podre?" Eu dei de ombros.
"Você continua sendo um moleque sem salvação." O velho mestre riu e finalmente comeu sua parte.
Geralmente a gente treinava após as refeições, mas desta vez o mestre virou-se para o lado e dormiu. Não era como se houvesse muito a se fazer naquela cela.
Enquanto eu limpava nossa tigela na poça eu ouvi passos. Naquele dia Ripple e Bernàr haviam descido juntos para trazer o almoço e Bernàr foi embora sozinho. Não teve gritos na última cela desta vez, mas Ripple ficou lá mais tempo que o normal antes de ir embora.
Eu me encolhi contra a porta até que Ripple finalmente fosse embora. Até o som dos passos dele me deixava nauseado.
Quando o silêncio retornou ao calabouço eu olhei para a poça d'água no canto da cela. Que mensagem eu poderia mandar desta vez? Eu mal conseguia falar, só conseguia pensar em coisas depressivas.
Mas se eu desistisse de fazer esta única pequena coisa então aqueles desgraçados estariam vencendo.
Eu invoquei uma pequena água viva e a peguei nas mãos. Sei lá qual poderia ser o assunto, então resolvi improvisar.
"Oi, cara da última cela. Sou eu, o Levi. Tenho uma história engraçada pra contar hoje, aconteceu quando eu tinha oito anos. Era dia do teatrinho da escola e eu estava bem triste, porque um dos meus pais tinha uma viagem de negócios e não poderia ir. Meu outro pai então teve uma ideia, a gente iria refazer o teatro em casa especialmente para ele. Só que eram muitos personagens, porque eu tinha muitos colegas, então eu reprisei meu papel de lenhador, meu pai Maikon foi a chapeuzinho vermelho, e todos os outros personagens eram nossas cabras fantasiadas. Papai Maikon fez roupinhas para cada uma de lobo mau, vovó, camponeses... até ensinou truques para algumas cabras atuarem melhor na peça. Imagina meu pai Hian chegando cansado em casa e descobrindo um monte de cabras fantasiadas na sala. Foi muito engraçado. No final a peça ficou ainda melhor do que na escola."
Eu queria contar mais, mas minha energia ainda arranhava por dentro. Eu soltei a pequena água viva pelo encanamento e descansei as costas na parede gelada, agora sorrindo com as lembranças doces.
Para o meu enorme espanto, pouco tempo depois a água viva retornou.
"Por que não mandou mensagem ontem?" Perguntou a gravação.
Eu peguei minha água-viva de luz sem acreditar. Ele havia me respondido! Sua voz era tão grave e bonita.
"Desculpa, eu tive um dia difícil." Eu respondi e mandei a água viva de novo.
O bichinho retornou pouco depois.
"Dias difíceis são os piores." Disse ele.
Eu abracei a água viva e sorri, permitindo que ela se dissolvesse nos meus braços. Meu nariz sangrou um pouquinho, mas eu não me importei. Na verdade eu sentia vontade de rir sozinho.
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O Arauto da Destruição [AMOSTRA]
RomanceAMOSTRA: 30% da história disponível. Leia completo na loja Kindle da Amazon! Dividido entre a normalidade de sua vida estudantil e a intensa, porém perigosa, jornada como Oráculo dos Tritões, Leviathan precisa tomar decisões que mudarão para sempre...