Capítulo 21

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Quando acordei eu estava deitado sob o céu azul. Minha cabeça doía e os ossos das minhas pernas pareciam ser feitos de algodão.

Eu me sentei com esforço e pisquei devagar, tentando focar a visão. O mar estava logo adiante e dentro dele a chaminé do navio agora naufragado.

Embaixo de mim havia algo verde, uma cama de folhas de bananeira. O meu casaco estava enrolado, me servindo de travesseiro, e minhas roupas molhadas estendidas sobre uma pedra ao sol.

Foi Ronan quem fez isso por mim? Eu queria me sentir feliz, mas a tristeza era maior. Ele não estava mais ali e agora eu nunca mais conseguiria encontra-lo.

Talvez fosse melhor assim, ao menos para ele, mas doía que eu não tivesse lhe contado sobre nosso pai em comum, nem sobre a situação do predestinado dele.

Eu me levantei e fui verificar minhas roupas. Ronan me deixou vestindo apenas as cuecas, eu precisava me arrumar para ir embora.

Assim que peguei minhas calças um barulho na água atraiu minha atenção.

Ronan havia retornado com um enorme peixe nos braços. E ele ficou tão furioso quando me viu que eu até derrubei minhas roupas no chão.

"Por que está de pé?" Rosnou ele.

"Já estou bem." Eu disse.

"Senta agora naquela merda." Ele apontou para a cama de folhas, onde ele também jogou o peixe morto.

Achando melhor não contrariá-lo, eu me sentei e fiquei olhando para o peixe gosmento e coberto de escamas prateadas.

"É o seu almoço." Disse Ronan.

"Não gosto de peixe." Eu sorri nervoso para ele.

"Você vai comer, é saudável!" Disse ele, com o mesmo tom de voz de quem ameaçava alguém de morte.

Nossa, ok, né? Não era como se eu não estivesse acostumado com refeições horríveis.

Sob o olhar enervante do Ronan eu peguei o peixe nas mãos. Talvez com isso ele se impressionasse comigo? Aliás, eu precisava impressioná-lo ainda mais?

Eu fechei os olhos, contei até três mentalmente e abocanhei o peixe. As escamas entraram nas frestas dos dentes, as espinhas fincaram na minha língua e eu rezei internamente que não estivesse mordendo a parte dos intestinos.

"Não, seu estúpido!" Ronan puxou o peixe pelo rabo, arrancando-o da minha boca. "Tem que descamar e destripar, você não sabe porra nenhuma??"

Perplexo, eu assisti Ronan abrir o peixe com uma pedra lascada, limpar, arrancar a pele e separar os filés. Apesar de seus gestos brutos seus cortes eram bem limpos e precisos.

Em poucos segundos Ronan fez o trabalho de um sushiman profissional. Ele pegou um dos filés rosados e quase esfregou na minha cara.

Pela expressão dele a minha opção era uma só. Eu peguei o filé, tranquei a respiração e enfiei na boca. Era apenas um sashimi gigante. Eu detestava sashimi com a força de mil trovões, mas era melhor que mariscos. Pensar em como poderia ser pior era o segredo para conseguir comer qualquer coisa.

Após mastigar umas trinta vezes, com os olhos apertados de tanto desgosto, eu consegui engolir o primeiro pedaço e abri os olhos. Para o meu espanto Ronan estava agora sentado ao meu lado, comendo o outro filé do peixe.

"É o melhor peixe que eu já comi." Eu disse. Era melhor do que se estivesse podre pelo menos.

Ronan nem me olhou nos olhos, parecia nem estar me ouvindo, só observando o horizonte.

O Arauto da Destruição [AMOSTRA]Onde histórias criam vida. Descubra agora