A NOITE ESCARLATE

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No alto da sacada dos aposentos reais, Killian observava o exército se preparar para partida. A espada dourada em sua bainha refletia a luz da lua cheia de sangue. Respirou fundo como se absorvesse a atmosfera mortal daquela fatídica noite. 

- Hoje será o inicio de uma nova era nas terras de Elys. Finalmente, depois de tantos anos vou conseguir o que sempre quis. Tem noção do quanto isso é importante querida? 

Killian olhou para dentro, onde a rainha das fadas destronada estava acorrentada aos pés da cama. Ela ão chorava mais, estava com o rosto vermelho de raiva, a boca sangrando da surra levada. Ela cuspiu. 

- Você não passa de uma farsa, um menino mimado. Deixado pela própria Mãe! 

Killian chutou seu rosto e Celine grunhiu de dor, respirando fundo, cega de ódio. 

- Não ouse falar da minha história, criatura repugnante. 

- Não se esqueça que sua filha tem meu sangue. 

- Nossa filha faz parte de um propósito maior. É apenas um experimento. 

Celine tentou chutá-lo, e se debateu contra as correntes. Não podia fazer nada, estava presa não só fisicamente, mas tinha se perdido dentro de si mesma. Ela o assistiu descer as escadas com seus generais, se arrastou e quebrou uma perna da cama para chegar até a sacada onde teve vista dos exércitos de renegados partindo do reino das fadas, deixando um rastro de morte pelo caminho, ela viu os prisioneiros sendo levados, uma elfa, uma sereia em um caixão de vidro, e sua pequena e frágil Bethânia. Ela tentou gritar pela filha, mas estava fraca demais para conseguir, se agarrou as fendas da estrutura e chorou em silêncio, a dor em seu peito a consumia. Tudo estava perdido. Neste momento, soube que, não há sofrimento mais cruel e devastador do que aquele que carrega arrependimento e culpa. 

[...]

Da torre sul nos territórios Molfenter, Lorenzo esperou por horas a fio até finalmente ver as árvores se agitarem, os pássaros fugirem dos céus e a Lua de sangue chegar ao seu ponto mais alto, os exércitos de Killian estavam visíveis, a hora havia chegado. Lorenzo cerrou os punhos, e pela primeira vez rezou para a única coisa que acreditava. "Eurin, senhor da escuridão. O primeiro de muitos. Nos leve até o inferno e nos traga como verdadeiros. Nossas espadas brandirão em teu nome". 

A formação dos Renegados colocava os vampiros na linha de frente, junto aos cavalos de fogo vindos do Tártaro. Logo nas quatro outras linhas feiticeiros do Hemisfério Sul, poderosos e insanos como sua origem natal, suas cores variavam as frias, como azul noturno, cinza e um negro profundo. A direita do meio lobos ferozes cheios de fome e cicatrizes incuráveis. A esquerda os Tritões em sua forma humana com seus cavalos marinhos protegidos pela magia. Eram milhares deles, mais do que se podia contar. Killian estava na Linha de frente, vestia a couraça dourada de um lorde imperial, sem elmo, os cabelos jogados para trás, os olhos brilhantes e violetas como o de sua mãe, finalmente se revelou Nephillim, um filho da terra e do céu. 

A formação de Lorenzo mantinha a de outras eras, recém-criados na linha de frente, mais fortes, mais destemidos. E dispostos a morrer. Muitos tinham sido recrutados desde a queda da cidadela e Lorenzo tinha triplicado suas forças. General Reece e a tropa de Payne mantiveram posição mesmo com a intimidante chegada dos renegados, Lorenzo se aproximou em seu alazão branco como a lua prateada de  outras épocas. Levantou seu elmo acima da cabeça olhando no fundo nos olhos do inimigo que sorria alegremente.  Um silêncio tomou o campo de batalha, lanças apontadas para cima, arqueiros nas torres apertavam com força as flechas miradas, os olhos rubros dos recém criados ansiosos por sangue fresco. A brisa correu entre os dois exércitos até que Lorenzo desceu o elmo e o encaixou sobre a cabeça, tirou a espada da bainha e a levou para frente. Esta era a ordem. Um coro enfurecido soou da garganta de Reece e todos correram em direção ao caos, Killian também deu a ordem e os renegados foram em frente. 

A colisão foi estrondosa, corpos e ossos se quebrados, gritos e urro de dor, espadas brandindo a luz do lua, sangue jorrando e manchando suas armaduras. A fúria tinha tomado aquele lugar. Em algum momento Lorenzo foi atingido e caiu batendo a cabeça contra o chão, abruptamente se colocou de pé e logo foi recebido por um trio de lobos cinzentos, ele se desviou com rapidez escorregou para debaixo de um deles e o esfolou as tripas, enquanto a criatura caia sem vida, não perdeu tempo e segurou com força as costelas de um outro lobo e as quebrou até que perfurasse o coração da fera. A última mordeu-lhe o pescoço o que o fez gritar irado porém mais soldados de Payne atacaram o terceiro lobo e o decapitaram. Lorenzo puxou um feiticeiro distraído e o mordeu com força arrancando parte de seu pescoço se deliciando com o sangue doce e curando a ferida causada pelo lobo. Cambaleando entre as luta, a visão turva, poeira e sangue subiam pelo ar. Ele agarrou a espada arranhada, limpou o suor da testa e jogou o elmo com força no chão. E gritou. 

- Apareça Maldito!! Pare de se esconder!!

Ele acertou mais mil golpes em milhares de renegados até finalmente vislumbrar a dourada presença de Killian que não estava lutando, estava ainda em seu cavalo intacto, o que irritou ainda mais o rei ensanguentado. Ele se aproximou o suficiente para Killian o achá-lo. Ele desceu do cavalo e alisou o cabo da espada como se a prepara-se para um grande banquete. 

- Eu estou bem aqui. - Declarou Killian caminhando para o centro do caos. 

Tudo a sua volta pareceu ficar mais lento o caos, os gritos, as feras. Agora tudo se tratava de um acerto de contas. Quanto mais caminhavam um para perto do outro, maior eram suas fúrias, as espadas se cruzaram no céu fazendo um som estrondoso. Sequência de golpes foram deferidos um contra o outro, Lorenzo era mais rápido e mais experiente, mas Killian tinha a espada dos anjos e a fúria dos deuses em seu coração. Flashes do passado correram em sua mente, um menino acorrentado nos fundos da mansão Molfenter, onde os prisioneiros mais cruéis ficavam, onde uma criança não deveria crescer. A tortura psicológica e física, como foi humilhado. A espada cruzou mais um limite até passar de raspão pela costela de Lorenzo que gritou ao ver o sangue escorrer e a pele arder como fogo. 

- Nunca tinha sentido a dor da espada de um anjo não é? - Killian deferiu mais golpes incansavelmente. 

Lorenzo os defendia com destreza, mas estava exausto. Conseguiu com muito esforço acertar o rosto dele e causar-lhe uma cicatriz entre a sobrancelha e o canto da bochecha, o sangue escorreu e Killian o lambeu sorrindo, ele levantou a espada e golpeou o rei mais de trinta vez sem feri-lo profundamente, ele caiu de joelhos e agarrou a terra úmida buscando fôlego. Killian se curvou e segurou os cabelos de Lorenzo o forçado a olhar a sua volta, todo o exército de Payne estava sendo subjugado. Killian deslizou a espada dourada no pescoço do rei e queimou como fogo. 

- Sente? Está sentindo essa dor? O cheiro da morte, não é inebriante? - Killian riu descaradamente. Antes de chutar a cara de Lorenzo que caiu no chão. 

Mas não permaneceu, ele se levantou e agarrou duas espadas correndo para atacar o inimigo de tantos anos, o golpeou nas costelas atravessando a espada, o insano Nephilim urrou amargamente e se virou cuspindo sangue e cambaleando. Ambos feridos e cansados, Lorenzo levantou a espada e iria descer sobre a cabeça de Killian como um anjo cai do céu sobre a cabeça do diabo. Mas, algo o impediu. A espada que atravessou seu peito vinha de trás, ele reconheceu um emblema era uma espada da corte. Quando caiu de joelhos, viu a sombra passar e parar ao lado de Killian que já se levantava. 

- Reece. Seu traidor!! - Rangeu entre dentes o Rei. 

- Seu reinado acaba aqui. - Declarou Killian se aproximando em um golpe que cortou o ar, decepou e cauterizou a cabeça de Lorenzo Molfenter. 

Ergueu a cabeça do rei aos céus, e os gritos de glória soaram. 

- O território Molfenter, é nosso!!!  - Gritou o General. 

    


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