XIV A Aveleira e a Madressilva

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A SEGUIR a Kariado, os barões inimigos de Tristão surpreenderam a verdade dos seus amores com a rainha. Audret, Guenelon, Gondoine e Denoalen denunciam ao rei Marcos aquilo a que chamam "a traição do sobrinho". O rei aflige-se: ouve contrafeito esta revelação que perturba a sua felicidade e mancha a reputação daquela que ama. Todavia, deixa-se de novo invadir pelas dúvidas e pelas suspeitas; e novamente se apanha a espiar as palavras e os atos da rainha e, desta vez, sob pretexto de pôr fim a rumores ofensivos, ordena a Tristão que deixe a corte e parta para uma terra distante. E, sobretudo, que não tenha a ousadia de voltar ao seu palácio, antes de lhe ser dada ordem para tal.
Tristão é forçado a obedecer, pelo menos em aparência, à ordem do rei: nunca mais aparece na corte, mas é-lhe impossível ficar muito afastado da sua dama. Em vez de se exilar num país estrangeiro, contenta-se em ficar escondido num subúrbio de Tintagel, em casa de um habitante que lhe dá asilo, em segredo, a ele e a Gorvenal. Todos os dias, ou quase, Brangia, que conhece o refúgio de Tristão, arranja-lhe encontros furtivos com a amada.
Mas em breve Tristão se sente cercado pelos inimigos: por isso abandona o refúgio e esconde-se sozinho na floresta, a fim de não ser visto por ninguém. Só sai à tardinha, quando é possível encontrar um alojamento. À noite, é albergado por camponeses ou pessoas pobres. Junto deles, informa-se do que faz o rei. Por eles fica sabendo que Marcos deve empreender dentro em pouco uma viagem com toda a sua gente, para reunir a corte, no dia de Pentecostes, num local que fixou. Haverá muitos folguedos e divertimentos, e a rainha estará na festa. Ao ouvir isto, Tristão sente uma grande alegria: Isolda não poderá dirigir-se à assembléia sem que ele a veja passar.
No dia em que o rei se põe a caminho, Tristão esconde-se numa moita ao longo da estrada por onde deve passar o cortejo. Corta um ramo de aveleira ao meio, depois fende-o e esquadria-o. Quando acaba de apará-lo, grava-lhe com o punhal as letras do seu nome, pois é um sinal convencionado entre a rainha e ele. Sabia que Isolda se aperceberia dele, pois era muito atenta a essas coisas e já lhe acontecera dar-se desse modo conta da presença de Tristão. Reconhecerá logo, mal o veja, o pau preparado e ornado pelo amante.
Ao mesmo tempo, Tristão enviou-lhe uma carta com o seguinte teor: "Bela amiga, sabei que por amor de vós continuo escondido na floresta. Aí tenho permanecido à espera de encontrar o meio de voltar a ver-vos, pois é-me impossível viver sem vós: nós dois somos como a madressilva quando se enrola à volta do ramo da aveleira: uma vez a ela ligada e presa, ambas podem durar juntas eternamente, mas, se as querem separar, a madressilva morre em pouco tempo e o mesmo sucede à aveleira. Bela amiga, tal é o nosso caso: nem vós sem mim, nem eu sem vós!"
No dia fixado, Tristão viu primeiro passar os monteiros com os cães, em seguida os barões que escoltavam o rei. Em breve, no meio das aias, entre duas filas de homens de armas, aparece a cavalo a rainha, observando tudo atentamente. Assim, viu, cravado no talude, o ramo aparado e gravado, e compreendeu imediatamente a mensagem que lhe trazia, pois conseguiu decifrar todas as letras. Mandou parar os cavaleiros que seguiam com ela: quer descer do cavalo e repousar. Obedecem à sua ordem. Afasta-se da escolta e leva consigo a criada Brangia através do bosque. Isolda encontra aí aquele que a amava mais que nenhum ser no mundo: fala-lhe à vontade e ela responde-lhe a contento; promete que o ajudará a reconciliar-se com o rei: Marcos, assegura-lhe, está muito triste por tê-lo banido após as acusações levantadas contra ele. Quando chega o momento da separação, os amantes começam a chorar. Ela diz-lhe: "Querido amor, disseste a verdade: sou a madressilva e tu a aveleira, ninguém nos poderá separar um do outro sem causar a morte de ambos."
Em recordação da alegria que experimentara ao rever a amante, Tristão, que escrevera todas as palavras da rainha tal como esta as pronunciara, fez um novo lai de harpa; chamam-lhe Goatleaf em inglês, os franceses denominam-no Chévrefeuille. O refrão é: Bela amada, assim é conosco: Nem vós sem mim, nem eu sem vós.
Brangia, a avisada, aproveitou esta entrevista com Tristão para combinar com ele um novo estratagema que lhe devia permitir encontrar-se secretamente com a rainha durante a noite. No pomar, fechado por estacas e fortes paliçadas que cercavam a residência real, brotava uma fonte à sombra de um grande pinheiro. As suas águas frescas e puras, depois de encherem um tanque cavado numa escadaria de mármore, corriam para o castelo por um canal aberto, e atravessavam o quarto das mulheres segundo um antigo costume dos celtas. Tristão viria de noite ao pomar, à fonte; deitaria aí aparas com sinais gravados com a ponta do punhal; quando Brangia as visse deslizar na água do canal, preveniria imediatamente a rainha, que iria ter com ele.
Como a vara de aveleira, aparada e gravada com letras por Tristão, indicara a sua presença na floresta, assim, durante várias semanas, as aparas gravadas com os sinais combinados permitiram aos dois amantes reunirem-se todas as noites ao pé da escadaria de mármore, à beira da fonte, debaixo dos ramos do grande pinheiro. E tal era o encanto do pomar real sob o céu estrelado que Isolda dizia por vezes a Tristão: "Não será este o pomar maravilhoso de que falam os lais bretões? Uma muralha de ar intransponível fecha-o por todos os lados; no meio das árvores em flor, o herói vive sem envelhecer nos braços da amante e nenhuma força hostil pode quebrar a muralha de ar." Mas quando se apagava a última estrela, o encantamento desaparecia e Tristão apressava-se a transpor a alta paliçada para regressar ao seu refúgio.

Lenda Medieval:Tristão e IsoldaOnde histórias criam vida. Descubra agora